Por Thiago Ansel
Nesta terça-feira (26), a Relatoria Especial da ONU sobre o Direito à Moradia Adequada publicou um dossiê com denúncias de violações de direitos ocorridas nos desalojamentos e despejos provocados pelas obras de preparação da cidade do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016 e de sete outras cidades brasileiras onde acontecerão os jogos da Copa de 2014.
A relatora da ONU para Moradia Adequada, a urbanista Raquel Rolnik afirmou que em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Natal e Fortaleza, até agora não houve consulta, diálogo, negociação justa e participação das comunidades e famílias removidas nos processos de desapropriação e desalojamento.
De acordo com comunicado divulgado pela Relatoria, também na última terça, em todas as cidades onde se realizam as obras que antecedem os mega-eventos esportivos de 2014 e 2016 há um padrão de falta de transparência entre o poder público e as pessoas deslocadas pelas novas construções e reformas.
A relatora da ONU, Raquel Rolnik: "Remoções podem acontecer, mas respeitando os direitos humanos das pessoas envolvidas".
“Essas remoções não têm acontecido de acordo com os padrões internacionais, estabelecidos pela ONU, para casos desse tipo. Remoções podem acontecer, entretanto, elas devem respeitar uma série de condições para que elas possam ser feitas, respeitando os direitos humanos das pessoas envolvidas. Isso não tem acontecido em grande parte dos casos”, declarou Rolnik à agência da ONU em São Paulo.
Violações de direitos
Os abusos cometidos pelo poder público durante os despejos vão de compensações insuficientes pelas remoções, passam pela recolocação das famílias em bairros distantes de seus locais de origem, e chegam a ameaças de não pagamento de indenizações e expulsão forçada de moradores pela PM (o que, segundo o dossiê da ONU, aconteceu em janeiro deste ano em Nova Sepetiba, Zona Oeste do Rio, onde pessoas das 700 famílias da ocupação teriam sido agredidas por policiais).
Localizada entre o Rio Centro e a Barra da Tijuca, área de crescente especulação imobiliária, a Vila Autódromo, vem resistindo às tentativas de remoção desde antes dos Jogos Pan-americanos do Rio (2007). Jane Nascimento, uma das lideranças comunitárias locais, diz que o poder público tem se utilizado de diferentes estratégias para que a Vila Autódromo seja destruída e seus moradores deslocados: “O Estado tem tentado desmobilizar os moradores, dando declarações públicas em que dizem que nós já aceitamos as remoções e todas as condições impostas por eles, quando a nossa reivindicação é por urbanização. Eles dizem que já está tudo certo, que tudo já foi negociado e que já tem até projetos para área. Essas coisas chegaram a aparecer até no diário oficial”, denuncia Jane.
A líder comunitária acusa a Prefeitura de criminalizar a população das comunidades, através do discurso de proteção do meio ambiente. “Estão destruindo casas de famílias pobres, que estão em locais valorizados e ainda nos acusam de prejudicar o meio ambiente”. Ora, os grandes condomínios não fazem mal ao meio ambiente? Então nós ficamos como os grandes criminosos. E quanto as grandes construtoras? ’, questiona.
Outro expediente que vem sendo usado pelo poder público, para legitimar as remoções consiste em enfatizar que a maioria das desapropriações se dá em terrenos de posse. A defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação do Rio de Janeiro, Adriana Britto, rebate este argumento, afirmando que, justamente por se tratarem de ocupações, essas comunidades são detentoras de direitos. “Na verdade, essas famílias têm de ter mais proteção ainda, visto que elas não puderam ter acesso a adquirir moradias através do mercado imobiliário formal. O que está em discussão não é propriedade e sim, um direito. É o direito a moradia que essas pessoas têm”, concluí Britto.
Direito à moradia
A defensora pública, Adriana Britto, ressalta que uma série de violações têm sido cometidas durante as remoções provocadas pelas obras da Copa e das Olimpíadas. Assim como a relatora da ONU pelo direito a moradia adequada, a defensora pública diz que não há diálogo entre Estado e os moradores. Em muitos casos, as pessoas não têm acesso a informações sobre o que vai acontecer, não havendo, portanto, discussão de alternativas.
De acordo com relatório assinado por comunidades e organizações da sociedade civil, enviado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no Rio, houve casos de demolições noturnas, sem tempo para retirada de pertences e sem a presença dos responsáveis pelos imóveis. Foi o que aconteceu na noite de 15 de Dezembro de 2010, na demolição de uma casa na comunidade Restinga (Recreio dos bandeirantes).
Demolição na comunidade Restinga (RJ) para as obras dos mega-eventos esportivos. FOTO: O GLOBO
“O que aconteceu em alguns lugares foi que, devido a tamanha falta de diálogo com as autoridades, as pessoas não conseguiram negociar a sua saída. Muitas não tiveram nem tempo de retirar seus pertences. A Defensoria Pública tentou reverter a situação judicialmente, mas a Prefeitura se apressou em demolir o que podia antes que pudéssemos tomar as decisões cabíveis para evitar a remoção”, relata Britto.
Para a defensora, a norma é que as remoções sejam excepcionais, ou seja, se há como realizar uma obra preservando as moradias das pessoas, isso deve ser feito. Portanto, tais medidas ferem, além do Estatuto das Cidades, a Constituição Federal que prevê uma série de garantias no âmbito do direito à moradia.
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