quinta-feira, 18 de abril de 2013

Como nasce uma ocupação urbana



Por 
Na zona norte de Porto Alegre, em julho do ano passado, mais de 250 famílias entraram em um terreno para fundar um bairro, o Loteamento São Luiz. O Tabaré contou essa história na edição de novembro de 2012. Nessa quinta-feira, dia 18 de abril, os moradores da São Luiz vão protestar em frente à prefeitura de Porto Alegre, às 9h, contra uma possível reintegração de posse que pode tirá-los da terra conquistada. Confere a matéria pra saber mais sobre essa ocupação urbana:
bairro_julia3
Segundo o último censo do IBGE, o Brasil dispõe de 6,07 milhões de domicílios vagos. Nos classificados de jornais, o mercado imobiliário chove uma enxurrada de ofertas: quitinetes, casas, apartamentos; um, dois, três, quantos dormitórios você quiser; poucos metros quadrados, muitos metros quadrados; dependência de empregada; área de serviço; sacada; bem arejado; churrasqueira; vaga de garagem; playground; bem localizado; perto do Centro; porteiro 24 horas… Tudo isso por apenas: centenas de milhares de reais. Venha conferir!
O Brasil tem um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias1. Apesar disso, uma parcela relativamente pequena da população vai conferir as ofertas dos classificados. Milhões de brasileiros não têm condições de pagar o preço de uma moradia digna. É verdade que muitos têm conseguido um lar razoável através do programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, que financia sob juros diminutos a compra de um imóvel. No entanto, muitos outros são obrigados a escolher – “minha casa ou minha vida” – pois as duas opções simultâneas são incompatíveis com a baixa renda. Esses cidadãos engrossam as estatísticas dos sem-teto.
Em Porto Alegre, estima-se que faltam 35 mil habitações para a população carente. Diante de tantas “inabitações”, os sem-teto acabam por ocupar, entre outros espaços, terrenos ociosos da cidade. É o caso de uma área de aproximadamente 12 hectares, localizada na zona norte da Capital, entre a avenida Baltazar de Oliveira Garcia e a rua Dr. Paulo Smania. Lá, desde o mês de julho, 257 famílias se instalaram no lugar: limparam o terreno, abriram ruas e construíram casebres. Por conta da necessidade, está surgindo um novo bairro em Porto Alegre: o Loteamento Seu Luiz.
A associação de moradores
Sábado. Tarde ensolarada de verão. Venta bastante na zona norte. Entro na ocupação pela avenida Baltazar. Ando por uma rua de terra, íngreme. Essa parte do terreno é a mais baixa. Há um pequeno alagadiço aqui. Alguns homens, pá e enxada em mãos, escavam um buraco transversal na via, onde colocam uma tubulação de esgoto de mais ou menos 50 centímetros de diâmetro. Outros, com ajuda da família, edificam pequenas casas de madeira. Pergunto a um sujeito quem é o responsável pelo loteamento. Ele aponta para a parte mais alta da área: “Lá em cima fica a associação de moradores.” Caminho ladeira acima. Em cada lote de terra, a cena se repete: homens e mulheres constroem casas.
Do alto do morro, Pedro Álvares Valêncio e Leandro Otenir Ribeiro Ribas coordenam a ocupação no Loteamento Seu Luiz (nome provisório e informal, visto que a posse da área ainda é incerta). Eles assentaram os primeiros moradores no terreno – cerca de 20 pessoas – em 23 de julho. Fundaram a associação de moradores no local, que, entre outras funções, cuida da distribuição dos lotes disponíveis. Pedro é o presidente; Leandro, o vice.
bairro_julia5“Seu Pedro” me convida para sentar na varanda da associação, uma construção de cerca de 10 metros quadrados, chão batido, teto de zinco. Logo que nos acomodamos, apresenta-me seu currículo: 59 anos, eletricista industrial aposentado, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ex-preso político, trabalha com organização popular há aproximadamente 30 anos; já liderou loteamentos que deram origem aos bairros São Borja, Parque dos Maias, Vitória da Conquista, etc.; segundo sua própria estimativa, assentou cerca de 20 mil famílias até hoje (tenta começar uma ocupação a cada ano). Ele anda com auxílio duma muleta. Apesar da perna direita comprometida, exibe simpatia, disposição, senso crítico e marxismo. Admira a China – país que inspirou a política pecebista nos anos 1960. Não mora na ocupação. Possui uma casa num bairro que ajudou a consolidar: Vitória da Conquista. De qualquer forma, parece ser respeitado pelos moradores do lugar.
Leandro se junta à conversa. Ele é o braço direito de seu Pedro. Tem 37 anos. Apresenta personalidade um pouco mais séria. Sempre disposto. Alugava uma sala no bairro Rubem Berta, onde administrava um bar. Também tem experiência em outras ocupações. Construiu sua casa no loteamento, onde reside com a esposa. Parece ser muito considerado pelos moradores. Em muitos casos, parece ter amizade – sobretudo com os mais jovens. Procura estar informado sobre tudo que acontece na área. Conhece os problemas e dilemas dos moradores.
Eles centralizam a organização da ocupação na associação de moradores, que promove reuniões periodicamente. A agremiação tem papel crucial na manutenção do assentamento: seleciona os interessados em ocupar um lote, fornece água e energia elétrica, aluga as escavadeiras para abrir ruas, contrata o advogado que move a ação pela posse da terra.
– Quando chega alguém aqui, perguntando se existe algum lote disponível, nós fazemos uma seleção: primeiro averiguamos se o sujeito tem problemas com a Justiça, depois vemos se ele realmente precisa do lote. Se o cidadão não é criminoso e realmente precisa de um lugar para morar, aí cedemos o espaço. Mas explicamos quais são as condições: o morador é responsável pela limpeza do seu terreno, pela construção da sua casa, pela construção de uma fossa para o banheiro, e tem que morar na casa que construir. A gente faz essa triagem por dois motivos: para evitar que ocorram coisas ilícitas no loteamento; e para evitar que alguém adquira um lote e depois venda para terceiros – explica Leandro.
A associação de moradores cobra três taxas mensais: 40 reais pelo fornecimento de água, 40 reais pelo fornecimento de energia elétrica, 100 reais para as despesas da agremiação. “A mensalidade da associação é usada para contratar o maquinário para construir a infraestrutura do bairro e pagar o advogado”, garante seu Pedro.
A água e a luz vêm de extensões (“gatos”) instaladas na rede hídrica da Corsan e na rede elétrica da CEEE. A água é distribuída por uma teia quilométrica de mangueiras espalhadas pelo chão do loteamento. A eletricidade é distribuída por meio de uma fiação aérea, suspensa em postes construídos pela própria associação.
Contudo, os pagamentos atrasam, o que obriga a associação de moradores a executar um contorcionismo financeiro:
– Todo mundo que mora aqui é pobre. Tem gente que junta todo o seu dinheiro para comprar o material de construção para a sua casa. Aí fica sem dinheiro para pagar as despesas com a associação. A associação consegue fornecimento de madeiras por um preço reduzido. Mas, mesmo assim, tem gente que não consegue pagar a mensalidade. Alguns moradores não têm nem o que comer. Volta e meia, a associação organiza um “sopão” para alimentar essa gente. Então, diante dessa situação, a gente faz assim: quem pode pagar um pouquinho a mais, paga mais; quem precisa pagar um pouquinho a menos, paga menos; em outros casos, a associação deixa o morador pagar quando puder. Mas, assim, a maioria dos moradores paga em dia a mensalidade – relata Seu Pedro.
No final da entrevista, um homem se aproxima. Ele aparenta ter uns 50 anos: pele queimada do sol, corpo arquejado, mãos calejadas, expressão melancólica rasurada por algumas rugas salientes; se veste com roupas desbotadas; origem humilde. Interpela:
– Com licença, Seu Pedro. Vim lhe entregar o dinheiro que o Fulano (não me recordo o nome) ficou devendo para a associação. Ele tem que pagar 300 reais, mas só tinha 150 no momento. Ele disse que não pode pagar o resto agora, porque a esposa ficou doente. Mas, assim que tiver, vai pagar.
– Não tem problema. Depois eu faço o registro no livro da associação. Melhoras para a esposa dele – responde Seu Pedro.
bairro_julia4A comunidade faz o bairro
Tarde de quinta-feira. Sol forte. O vento suaviza o calor. Leandro me conduz por uma caminhada pelas ruas da ocupação. Enquanto andamos, vemos alguns jovens trabalhando em suas casas. O vice-presidente da associação de moradores cumprimenta todos pelo nome. Recebe saudações recíprocas. Crianças correm de um lado para outro. Ele me conta a história da ocupação. O mesmo relato que outros moradores já haviam contado.
Quando os primeiros moradores chegaram à área, o terreno estava baldio: árvores, arbustos, capins por todos os lados; pássaros, cobras, ratazanas entre a vegetação; carcaças de carros, motos e outros entulhos abandonados num declive. Em mutirão, limparam uma parte da área, onde foram divididos os primeiros lotes. Nas semanas seguintes, quando outras famílias já haviam se juntado à ocupação, contrataram escavadeiras para abrir ruas e buracos – onde os próprios moradores instalariam a tubulação de esgoto. Os postes de luz também foram fixados pelos primeiros ocupantes. Embora a associação de moradores forneça alguns serviços básicos, em geral, a estrutura pública do loteamento é construída de maneira coletiva.
A maioria das habitações se resume a um cômodo. São casas precárias. Algumas moradias têm paredes improvisadas com chapas de compensado, teto coberto com lonas, piso de chão batido. Outras têm paredes de madeira, teto de zinco, piso em tablado rústico. Uma ou outra está sendo edificada com tijolos. O banheiro costuma ficar do lado de fora das residências.
Em alguns casebres, Leandro propõe que paremos para conversar com os moradores. As histórias de vida são muito parecidas: a família morava de favor na casa de alguém, ou morava num local insalubre, ou foi despejada por não pagar o aluguel. A maioria dos homens tem emprego: trabalham durante o dia, de segunda à sexta-feira; à noite e finais de semana, trabalham na construção das casas e bairro. Durante os dias de semana, é mais comum ver crianças e mulheres desempenhando afazeres domésticos, do que ver homens construindo moradias.
Em alguns lotes, há apenas um esqueleto de edificação e um amontoado de tábuas no terreno. Ninguém trabalhando. Leandro comenta:
– Tem gente que não acredita que a ocupação vai dar certo. Algumas pessoas pegam um terreno aqui, mas depois desistem de construir suas casas, porque acham que a gente não vai conseguir a posse da terra. São pessoas que não querem fazer um investimento numa coisa incerta. Mas tem que acreditar senão a ocupação não vai dar certo mesmo.
A disputa pela posse do terreno
Hoje, quem possui a escritura da área de 12 hectares é o empresário de Alvorada Valdir Oliveira Silveira, conhecido na região como “Foguinho”. Valdir comprou o terreno em 1989, quando o posseiro – agricultor Alencorte Machado Feijó – lhe transferiu a escritura originária de 1949. A transferência dos direitos possessórios aconteceu em seis de setembro, no tabelionato da comarca de Alvorada situado então na rua Salgado Filho, nº 118. O registro do tabelião Cícero Pereira Baptista atesta que o agricultor e o empresário compareceram ao tabelionato. Entretanto, os moradores da ocupação questionam o documento.
Leandro possui uma cópia da certidão de óbito do agricultor. O documento declara que Alencorte faleceu às 19 horas e 30 minutos do dia seis de setembro de 1989 (mesma data em que ocorreu a transferência da escritura). Causa mortis: “insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, diabete melito tipo II.”
– Como pode alguém que está tão doente, a ponto de morrer no mesmo dia, comparecer em um cartório? Ele não deveria continuar internado no hospital? – indaga Leandro.
A Justiça, no entanto, decidiu pela reintegração de posse a favor de Valdir. Porém o despejo não aconteceu. Os moradores dizem que eles não foram tirados do local porque faltaram equipamentos para desmanchar as casas. O empresário contesta:
– A Justiça já deu quatro reintegrações de posse a meu favor. Não sei por que razão a decisão judicial não foi cumprida. Talvez o oficial da Brigada Militar tenha se sensibilizado. Não sei o que os invasores disseram para ele. Isso só acontece no Brasil: quatro reintegrações de posse e ainda não foi cumprida a decisão da Justiça. Mas, de agora em diante, vou usar outros meios. Meios constitucionais, inclusive. Da mesma maneira que um cidadão pode tomar uma atitude quando alguém invade sua casa, vou tomar uma atitude para expulsar os invasores da minha propriedade.
Recentemente, os moradores da ocupação descobriram que o terreno onde querem fundar o Loteamento Seu Luiz é uma reserva de contenção ambiental, pertencente ao município de Porto Alegre. Valdir afirma que já tinha conhecimento a esse respeito. E diz que vai denunciar os “invasores por crimes ambientais, afinal de contas, eles desmataram toda aquela área.”
De fato, hoje há pouca vegetação no local. Talvez a prefeitura da capital tenha que rever, de agora em diante, a classificação de reserva de contenção ambiental. De qualquer forma, quem ficar com a posse da terra terá menos dificuldades para realizar algum empreendimento naqueles 12 hectares. A função ecológica do terreno certamente não existe mais. Sendo assim, qual a função que a áea terá no futuro? Habitacional ou privativa?
bairro_julia2bairro_julia1
1 – Cálculo do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2010) do IBGE. O número corresponde a todas as moradias necessárias para alojar os brasileiros que não tem onde morar ou moram em habitações inadequadas.
Texto: Marcus Pereira  / Fotos: Júlia Schwarz 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

“A SITUAÇÃO É MUITO GRAVE”, DIZ SDH SOBRE REMOÇÕES DA COPA


Em entrevista, conselheiro do CDDPH fala sobre GT criado para investigar remoções forçadas para megaeventos e pergunta: “Omelete com os ovos de quem?”

Acolhendo as denúncias dos movimentos populares sobre as remoções forçadas de comunidades para obras da Copa, o Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria dos Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho Moradia Adequada em uma inciativa inédita. O GT, criado em agosto, vai recolher informações sobre os problemas de moradia enfrentados pela população, com foco nos impactos de megaprojetos e megaeventos, e encaminhar recomendações aos Municípios e Estados.
Em entrevista ao Copa Pública, o professor e conselheiro do CDDPH, Eugênio Aragão, confirma que a criação do GT é fruto da mobilização da sociedade e da cobrança dos movimentos populares, o que também facilitou o diagnóstico do problema: depois de algumas visitas às cidades sede, o grupo identificou um padrão de violação de direitos: “Com a desculpa de que os moradores são invasores, as prefeituras ignoram por completo seus direitos. Muitas vezes a comunidade está ali há 10, 20 anos e é sistematicamente assediada pela prefeitura”. Aragão afirma também que a desinformação da população sobre as áreas que serão despejadas e o destino que será dado às comunidades é parte de uma tática das gestões municipais para evitar enfrentamento: “Eu diria que manter a população desinformada é parte da tática, para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada judicialmente inclusive”. Leia:
Por que o grupo foi criado?
O GT foi criado a pedido da sociedade civil e de várias entidades vinculadas ao direito de moradia. Temos no grupo representantes dessas entidades, inclusive. O conselho foi pautado pelos movimentos sociais. Nós visitamos até agora Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.  Temos duas linhas: impactos de megaeventos e impactos de desastres naturais. Muitas vezes a gente sabe que existem obras públicas que não têm nada a ver com a Copa mas que simplesmente são rotuladas assim para passar por cima de tudo e todos. Simplesmente porque tem um “selinho” da Copa do Mundo. Muitas obras são oportunistas neste sentido.
E o que o senhor já pode dizer sobre essas primeiras visitas?
Nós ainda vamos fazer o relatório oficial e as recomendações, mas o que eu posso antecipar é que os problemas são parecidos em todas as cidades. O principal deles é que as obras são feitas implicando no desalojamento de pessoas que nunca são informadas sobre os projetos, datas, quais são os direitos, o que elas vão ganhar em troca, para onde vão, ou seja: se mantém a população afetada em absoluto desconhecimento. Em alguns casos por desorganização e em outros é parte da tática: manter a população desinformada para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada.
O segundo problema é a deslegitimação dos moradores. Com a desculpa de que são invasores, se ignora por completo o direito deles à moradia. Muitas vezes as comunidades estão a 10, 20 anos no mesmo lugar e são sistematicamente assediadas pela prefeitura. Isso é um padrão nas cidades, de desrespeito aos direitos das pessoas, de recusa de diálogo com a comunidade. É uma coisa assustadora. E apoiado por uma classe média que gosta muito dessas medidas de gentrificação urbana que “tiram o feio” de suas vistas.
O senhor falou sobre algumas obras que nem são para os megaeventos…
Mas levam esse “selinho”. Um exemplo é o VLT de Fortaleza. Eu chamo aquilo de uma obra oportunista. O presidente do Metrofor [Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos S.A] estava muito bravo quando falou com a gente, dizendo que está fazendo um favor ao contribuinte já que a obra está sendo muito barata. Bom, então por que não aproveita e investe nos bairros? Por que expulsa as pessoas de bairros onde elas estão a 40, 50 anos? A gente ouve falar que não se faz omelete sem quebrar ovos, mas o problema é: de quem se quebram os ovos? 
Mas essa inciativa da Secretaria de Direitos Humanos é inédita, não?
No Brasil as coisas se fazem para inglês ver e a gente sabe como nossos administradores trabalham. Por isso a gente tem que ter esta cautela. Talvez a situação mais grave que encontramos tenha sido a da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, que está titulada pelo Governo do Estado. O Leonel Brizola deu a eles a concessão de uso para fins de moradia pelo prazo de 99 anos, o Estado depois cedeu uma área enorme ao município mas deixou bem claro que deveria respeitar a Vila Autódromo e a prefeitura diz que não tem nenhuma obrigação com aqueles moradores e que vai tirar de qualquer jeito. E diz que a Vila Autódromo polui a lagoa de Jacarepaguá por causa de aterros, só que ao lado tem o Rock’n’Rio, que invadiu mais de 500 metros da lagoa. Mas aterrar a lagoa tudo bem, sobre isso a prefeitura não reclama. Existe inclusive um projeto de revitalização feito pela UFRJ para a Vila Autódromo que poderia ser um cartão de visitas do Brasil ao mostrar a integração social e ambiental com um projeto de dignificação de vulneráveis. Ao invés disso, o prefeito prefere destruir.
Quais são os próximos passos do GT?
Nós paramos as visitas por causa das eleições, para não parecer algo eleitoreiro, e vamos retomar em novembro. Mas já temos dados suficientes para mostrar nossa tese a respeito de várias recomendações que vão ser feitas. Vamos fazer um relatório com recomendações, que vai ser submetido ao ao CDDPH. Aprovado, ele será remetido à Secretaria dos Direitos Humanos para se articular com outros ministérios e os governos federais e municipais para implementar estas recomendações.
E existe uma data?
Queremos entregar essas recomedações até março no máximo. A situação é muito grave, não dá para esperar mais.
  blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.
http://apublica.org/2012/11/a-situacao-e-muito-grave-diz-sdh-sobre-remocoes-da-copa/

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Carta pública do movimento de moradia de Florianópolis sobre o desalojamento no José Nitro, em São José (SC)


A promessa de um dos candidatos a prefeito de São José (SC), no início deste mês de outubro, destruiu os sonhos e desestruturou a rotina de cerca de 200 famílias do bairro José Nitro, Jardim Zanelatto e seu entorno.
Na noite de quarta-feira, 3 de outubro, houve uma reunião na Igreja da Assembleia de Deus do bairro em que estiveram presentes o atual prefeito de São José e, então, candidato à reeleição,Djalma Berger; o vereador e também candidato a reeleição Sanderson de Jesus; um fotografo da campanha; e algumas famílias da região. Essas pessoas foram incentivadas por Djalma Berguer a ocupar um terreno da Imobiliária Suvec Ltda., que fica localizado no bairro Serraria e cuja proprietária é Floribela Becker. Garantiu que ele seria desapropriado pela prefeitura para o usufruto das famílias e sustentou sua promessa com a assinatura simbólica do Decreto nº 37.180/2012 de 21 de setembro de 2012, que trata da desapropriação do local.
Logo após a reunião, entre 150 e 200 famílias ocuparam o terreno, construindo barracos no local. Muitos entregaram as casas nas quais viviam de aluguel, outros simplesmente se endividaram gastando suas poucas economias para comprar madeira e outros materiais para finalmente conquistar o sonho da casa própria, prometido pelo prefeito.
Na noite de quinta-feira, 04 de outubro, realizou-se um comício numa quadra de esportes localizada na Avenida das Torres, nas imediações do terreno ocupado. Estavam presentes o prefeito de Florianópolis, Dário Berger, o candidato a vice-prefeito de São José, Padre Círio Vandresen, o candidato a vereador pelo PDT, Wallace Avanir de Souza (conhecido por Tetê), e as famílias da localidade.
No final do evento, o tema da ocupação foi tratado por Dário Berger. Ele reforçou a garantia dada por seu irmão Djalma e pediu às famílias que não deixassem mais gente entrar na ocupação. Disse que na segunda-feira seguinte, 8 de outubro (e um dia após as eleições municipais), os moradores receberiam a visita de funcionários da prefeitura de São José para o cadastramento das casas e dos moradores.
Na sexta-feira, 05 de outubro, o decreto de desapropriação do terreno nº 37.180/2012 foi revogado –antes mesmo do pleito, que aconteceu no domingo. Ao contrário do prometido, fiscais da prefeitura apareceram na segunda-feira rondando o terreno e ameaçando os moradores da ocupação com um despejo violento caso eles não deixassem o local.
A ameaça foi concretizada na quarta-feira, 10 de outubro, por volta de 7h da manhã, quando se iniciou o despejo dos moradores do terreno ocupado. A presença de 210 policiais fortemente armados, helicóptero e máquinas retroescavadeiras para a destruição das moradias assustou os moradores, que não resistiram à ação.
Não houve negociação: foi estipulado o prazo de apenas uma hora para que as moradias fossem desocupadas.
Com o prazo cumprido, as máquinas derrubaram os barracos presentes no terreno. Os relatos indicam que muitos não tiveram tempo de retirar seus móveis e pertences das moradias e perderam os poucos bens que possuíam.
Após o despejo, os moradores se reorganizaram em assembleia na frente da igreja da Assembleia de Deus –o mesmo local onde tudo começou. Conseguiu-se negociar junto à secretaria de assistência social e da secretaria de segurança pública de São José um alojamento no Ginásio Municipal do Jardim Zanelatto para as famílias que não tinham como se abrigar.
Desde então, há uma semana, essas famílias sofrem com diversas ameaças, inclusive do conselho tutelar, que ameaça recolher os filhos dos desabrigados, e com o descaso de funcionários da saúde pública, que recusam atendimento médico pela falta de comprovante de residência.
É importante ressaltar: a demagogia e irresponsabilidade de Djalma Berger, desesperado por votos, precipitou um problema que já era iminente: a falta de política habitacional para o povo pobre de São José.
A família Berger é duplamente responsável pela atual situação. Em primeiro lugar, por não ter construído ao longo de 12 anos de governo municipal casas populares suficientes para abrigar as necessidades de seu povo; e, principalmente, por ter tentado manipular o povo às vésperas da eleição e, dessa forma, ter criado um caos na vida de muitas famílias.
Portanto, é urgente que o responsável (Djalma Berger) abra um canal de diálogo com as famílias e apresente a única proposta que pode resolver definitivamente o problema destas famílias: a destinação de um terreno para assentamento.

ASSINATURAS
MORADORES
Carlos A. Ribeiro Leite – Comunidade Zé Nitro
Debrair Ros – Comunidade Zé Nitro
Juliana da Rosa – Comunidade Zé Nitro
Maria Avelar – Comunidade Zé Nitro
Nilsa Ana Cardoso – Comunidade Zé Nitro
Vitoriana M. Avelar – Comunidade Zé Nitro

COM APOIO
Carlos Alberto Vieira Junior – DAOM/UDESC
Camila Rodrigues da Silva – Brigadas Populares
Daniel – CSP-ConLutas
Denilson Machado – Sind Bancários / PT-Estadual
Domingos Fortuna – MST
Edileuza Garcia – Sind Saude /SC
Elis Regina M. Correa – Papaquara
Gilmar Salgado Santos – CSP-ConLutas
Jonatah – Brigadas Populares
Jonaz Gil – Gab Sgt Amauri Soares
Fausto Breda – C C Luiz Carlos Prestes
Loureci Ci Ribeiro – CMAS-Fórum da Cidade
Luis Felipe Aires Magalhães – Brigadas Populares
Luiz Antonio Rodrigues BL – MNU/SC
Luiz Felipe S. B. de Paiva – DAOM/UDESC
Luzia Maria Cabreira – Advogada
Marcio R. Fortes – SINDPREVS
Nauro Jose Velho – MST
Ruy Antonio Pures Alves – Morro do Maciço da Cruz
Silvio Marcio M. Machado – AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros
Tanea Slongo – MMTU/SC
Victor Khaled – MPL - Coletivo Anarquista Bandeira Negra

Florianópolis, 17 de outubro de 2012.

Calendário de Lutas:

- Ato na Camara de Vereadores de Florianópolis – Contra a Alteração de Zoneamento Terça Feira 18h (já foi)
- Reunião CMAS-FCidade – Movimento Ponta do Coral 100% Pública – Quarta 19h no NESSOP – UFSC (hoje)
- Ato na Prefeitura de São Jose - 15h
- Reunião com Secretaria Nacional do SPU – ALESC – Sexta feira 14hs – Plenarinho
- Manifestação Moradia Florianópolis – Sexta feira 16h – Prefeitura de Florianópolis
- Carreiteiro no Ginásio do Jardim Zanelatto  - Domingo 12h 
- Encontro Municipal MOV SEM TETO – Sabado 03 de Novembro UFSC – Curso de Arquitetura – 13:30

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Nada queima por acaso nas favelas paulistanas



Estudo estatístico mostra notável coincidência entre os incêndios e… as áreas de  interesses do mercado imobiliário
Por João Finazzi, no PET RI-PUC
[Título original:"Não acredite em combustão espontânea"]
Segundo a física, propelente ou propulsante é um material que pode ser usado para mover um objeto aplicando uma força, podendo ou não envolver uma reação química, como a combustão.
De acordo com o Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, até o dia 3 de setembro de 2012, houve 32 incêndios em favelas do estado – cinco somente nas últimas semanas. O último, no dia 3, na Favela do Piolho (ou Sônia Ribeiro) resultou na destruição das casas de 285 famílias, somando um total de 1.140 pessoas desabrigadas por conta dos incêndios em favelas.
O evento não é novo: em quatro anos foram registradas 540 ocorrências. Entretanto, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada em abril deste ano para investigar os incêndios segue parada, desrespeitando todos os trabalhadores brasileiros que tiveram suas moradias engolidas pelo fogo.
Juntamente com o alto número de incêndios, segue-se a suspeita: foram coincidências?
O Município de São Paulo apresenta 1565 favelas ao longo de seu território, distribuídas, majoritariamente na região Sul, Leste e Norte. Os distritos que possuem o maior número de favelas são: Capão Redondo (5,94% ou 93), Jardim Angela (5,43% ou 85), Campo Limpo (5,05% ou 79), Grajaú (4,66% ou 73). O que significa que 21,08% de todas as favelas de São Paulo estão nessas áreas.
Somando as últimas 9 ocorrências de incêndios em favelas (São Miguel, Alba, Buraco Quente, Piolho, Paraisópolis, Vila Prudente, Humaitá, Areão e Presidente Wilson), chega-se ao fato de que elas aconteceram em regiões que concentram apenas 7,28% das favelas da cidade.
Em uma área em que se encontram 114 favelas de São Paulo, houve 9 incêndios em menos de um ano, enquanto que em uma área em que se encontram 330 favelas não houve nenhum. Algo muito peculiar deve acontecer com a minoria das favelas, pois apresentam mais incêndios que a vasta maioria. Ao menos que o clima seja mais seco nessas regiões e que os habitantes dessas comunidades tenham um espírito mais incendiário que os das outras, a coincidência simplesmente não é aceitável.
Àqueles que ainda se apegam às inconsistências do destino, vamos a mais alguns fatos.
A Favela São Miguel, que leva o nome do bairro, divide sua região com apenas outras 5 favelas, representando todas apenas 0,38% das favelas de São Paulo. Desse modo, a possível existência de um incêndio por ali, em comparação com todas as outras favelas da cidade é extremamente baixa. Porém, ao pensar somente de modo abstrato, estatístico, nos esquecemos do fator principal: a realidade. O bairro de São Miguel é vizinho do bairro Ermelino Matarazzo, o qual, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), teve a maior valorização imobiliária na cidade de São Paulo entre 2009 e novembro de 2011, 213,9%. Lá, o preço do metro quadrado triplicou – mas não aumentou tanto quanto a possibilidade real de um incêndio em favelas por ali.
As favelas Alba e Buraco Negro também estão na rota do mercado imobiliário. Dividindo o bairro do Jabaquara com o restante dos imóveis, a favela inviabiliza um maior investimento do mercado na região, que se valorizou em 128,40%. Mas nada como um incêndio para melhorar as oportunidades dos investidores.
Todas as 9 favelas citadas estão em regiões de valorização imobiliária: Piolho (Campo Belo, 113%), Comunidade Vila Prudente (ao lado do Sacomã, 149%) e Presidente Wilson (a única favela do Cambuci, 117%). Sem contar com Humaitá e Areião (situadas na Marginal Pinheiros) e a já conhecida Paraisópolis.
Soma-se a tudo isso, o fato de que as favelas em que não houve incêndios (que são a vasta maioria), estão situadas em regiões de desvalorização, como o Grajaú (-25,7%) e Cidade Dutra (-9%). Cai, juntamente com o preço dos terrenos, a chance de um incêndio “acidental”.
Pensar em coincidência em uma situação dessa é querer fechar os olhos para o mundo. Resta aos moradores das comunidades resistirem contra as forças do mercado imobiliário, pois quem brinca com fogo acaba por se queimar. Enquanto isso, como disse Leonardo Sakamoto, “…favelas que viram cinzas são um incenso queimando em nome do progresso e do futuro.”

domingo, 16 de setembro de 2012

Vidas Sem Lar: documentário mostra o drama da falta de moradia


  • destacar vídeo
  • espalhe por aí
Dê sua nota: 3.680 exibições
Ao longo de três meses, os repórteres do Domingo Espetacularinvestigaram a fundo, as condições de vida de quem não tem onde morar. Uma realidade que atinge 8 milhões de pessoas e que passa praticamente despercebida nas grandes cidades.

Veja também:

Sem-teto ocupam nove imóveis em uma madrugada em SP

Nove prédios públicos são ocupados em SP

domingo, 9 de setembro de 2012

Sem-teto ocupam prédios e terrenos do governo federal em SP


Movimentos que lutam por moradia realizaram diversas ocupações nesta madrugada (03) em terrenos e prédios abandonados da União; um dos locais pertence ao Banco do Brasil, o outro, ao INSS
03/09/2012
José Francisco Neto
de São Paulo 
  
Em menos de 20 minutos, cerca de 200 pessoas
ocuparam o prédio do governo federal. Fotos: Rodrigo Luna


Por volta das 23h50 deste domingo (02), quatro homens com alicates em mãos e mais dois pés de cabra estouraram, em questão de segundos, os cadeados do prédio localizado na rua Doutor Pennaforte Mendes, 80, Bela Vista, centro de São Paulo. Em seguida, cerca de 80 pessoas, entre homens, mulheres e crianças desceram do ônibus e adentraram rapidamente no imóvel - uma antiga fundação do Banco do Brasil - pertencente ao governo federal, abandonado há mais de dez anos. As outras famílias, num total de 200, foram chegando na sequência.
“Vamos tomar cuidado, gente”, alertavam os homens que direcionavam as famílias que, aos poucos, iam se avolumando no prédio de cinco andares. No segundo piso, as bandeiras do movimento por moradia foram colocadas de frente para a rua, uma maneira de se comunicar com quem está do lado de fora.
Crianças, jovens, adultos e idosos compõem o grupo dos sem-teto do Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo (MMC). Aos poucos eles foram se organizando da maneira que dava. Cobertores esticados pelo chão e outros com jornais se ajeitavam em meio à poeira que levantava.
Dilce de Souza Cajaíba e Eva Maria, ambas de 54 anos, conversavam enquanto se arrumavam para descansar. “Amanhã, quando eu sair daqui, vou direto pro trabalho”, disse Dilce, que trabalha de doméstica desde quando chegou em SP. Ela argumenta que o aluguel que paga é um dinheiro sem retorno, por isso está no movimento pra conquistar sua moradia. 
“Aqui meu objetivo é pagar por algo que seja meu no futuro. O dinheiro do aluguel vai e nunca volta. Aqui é uma garantia que a gente está pagando, mas sabendo que vai ser nosso”, comenta.
Já Eva conquistou sua moradia há quatro anos, mas sempre está junto com o movimento dando apoio para as famílias que ainda lutam. “Não sou só eu que quero morar bem, quero que as pessoas também morem bem”, afirma.
O objetivo da ocupação, segundo Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, coordenador do MMC e membro da Central de Movimentos Populares (CMP), é negociar com o poder público para exigir moradia digna para as famílias que pagam aluguel e vivem em condições desumanas. “Cada ocupação é um novo momento, não dá pra arriscar se teremos acordo ou não”, comenta. 
Ocupações simultâneas
Outras ocupações ocorreram na madrugada desta segunda-feira em São Paulo. Diversos movimentos que lutam por moradia realizaram ocupações em terrenos e prédios da União, como forma de agilizar os processos que destinam os imóveis para a construção de habitação popular.
Um dos prédios ocupados é o do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na avenida 9 de julho, também no centro, abandonado há mais de 20 anos. Cerca de 400 pessoas estão neste momento no imóvel, cujo objetivo é agilizar para que se cumpra a proposta do governo federal em transformá-lo em mais de 300 moradias populares. 
De acordo com Gegê, essas ocupações acontecem de forma simultânea na cidade de São Paulo, inclusive na Baixada Santista e no interior paulista. “Hoje acontecem de 8 a 11 ocupações. Lutamos para que nas negociações todos possam ser beneficiados”, salienta Gegê.

Longe do aluguel                  
  
  Famílias sem-teto lutam por moradia digna
A maioria das pessoas que ocuparam o antigo prédio do Banco do Brasil neste domingo está em busca de moradia digna, pois não suportam mais pagar aluguel para morar em situação precária. “Eu moro de aluguel na zona sul de SP. Quero sair dessa situação. O objetivo é trazer minha família junto comigo. Se for pra sair da situação que estou, com certeza eu venho com eles pra cá”, disse Edison da Silva Santos.  
Antônio Alves de Souza, de 64 anos, mora com a esposa em Itaquera, zona leste de São Paulo, e o seu caso se assemelha com o de Edilson. “Eu pago R$ 600 de aluguel. Trabalho durante o dia e estudo a noite com minha companheira. Trabalho de encanador. Ganho R$ 900 por mês, só que lá o cara, além do aluguel, também cobra imposto. Se for somar pago quase R$ 800 mensais”, comenta senhor Antônio. 
Por volta das 3 horas da madrugada, as poucas pessoas que permaneciam acordadas, foram se acomodando para descansar, pois amanhã “seria um novo dia de luta”. “A nossa ideia é permanecer dentro do prédio, para não esvaziar e não corrermos o risco de não entramos mais”, reforça Gegê. 
Ato
Um ato unificado dos movimentos sem-teto está marcado para esta segunda-feira (03) em frente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Cerca de 3 mil pessoas devem participar do ato, segundo o MMC.