Tania Jamardo Faillace, jornalista e delegada RP1
O Fórum Regional de Planejamento Urbanístico 1 de Porto Alegre foi uma das primeiras instâncias a saber que alguma coisa estava sendo tramada com respeito ao Cais Mauá. Falava-se em “revitalização”, sem explicar exatamente o que era isso.
Ora, revitalização significa “reanimação”. Pessoas com parada cardíaca, são reanimadas, isto é, salvam-se, não morrem. Quando se fala de um espaço público, isso quer dizer que suas atividades serão retomadas para melhor. Se é uma rede de transportes, ela terá mais linhas, mais horários, mais carros. Se é um porto, ele terá mais movimento, receberá mais navios e fará mais negócios. Agora... se a rede de transportes se transformar numa rede de supermercados, não há revitalização, mas o fim de uma atividade e o começo de outra.
Assim, quando a RP1 recebeu as primeiras informações mais objetivas a respeito, percebeu que não se tratava de uma revitalização do cais, mas sim de sua morte e liquidação, para usar seu espaço e suas construções para outras atividades. Isto é, para as mesmas atividades que já temos espalhadas em toda a cidade: shoppings, prédios de escritórios, supermercados, estacionamentos de carros. Grandes navios e grandes negócios de importação e exportação, que é bom, nada!
O idealizador dessa espécie de Disneylândia portuária, – que ora teria também uma orquestra sinfônica, ou um teatro de ópera (pobres cantores, naquela umidade, perderiam a voz), ou hotéis de luxo encostados na linha do Trensurb (melhor despertador não há, evidentemente), quase despencando dentro dágua, – não se apresentou na RP1 para informar e ser sabatinado.
Recebemos apenas os esboços desenhados das áreas – não havia e não há projeto de engenharia ou arquitetônico – e ficamos sabendo que uma das idéias era construir alguns prédios de 100 metros de altura (o dobro do permitido pelo PDDUA) naquele cantinho que vizinha com a Rodovia Castelo Branco, a Estação Rodoviária, e o fluxo de trânsito da Elevada da Conceição. Sua finalidade parecia ser tampar o pôr de sol do Guaíba para toda aquela região, fazer sombra na Igreja da Conceição, acordar cedinho os hóspedes dos hotéis, que respirariam um dos ares mais poluídos da cidade, e em tempos de chuvas e alagamentos, teriam grandes emoções, porque aquela área é inundável e está do outro lado do esquema de proteção das cheias.
Era difícil de acreditar. Parecia piada. Mas não, na exposição de motivos que o idealizador da proposta fez na Câmara, entendeu-se que o projeto resumia-se num projeto de engenharia financeira para arrendar a área a um empreendedor que faria com ela o que melhor lhe parecesse durante 60 anos, prorrogáveis por mais 60.
Na verdade, não faria exatamente como melhor lhe parecesse, pois a área não pertence ao município nem ao Estado, e sim à União, que fez um contrato de gerenciamento com o governo do RS, obrigação que o governo estadual não cumpriu, deixando o porto abandonado às traças, como se diz, sem incentivar negócios, sem fazer a manutenção do canal, sem trocar o sistema de granéis ainda usado no cais Navegantes pelo moderno sistema de contâiners.
Claro, segundo informou o eng. Bertuol, chefe de gabinete do então Secretário de Infra-estrutura e Logística daquele governo, – Daniel de Andrade, que viera direto da empresa Concepa (pedágios), – o cais estava morto e devia continuar morto.
O que se entende: podendo pagar um frete de cargas muito mais barato e seguro via aquática, por que algum empresário haveria de usar carretas de pequena tonelagem (em comparação com um navio), pagando altíssimos fretes e altíssimos pedágios, correndo o risco de acidentes de estrada, com perda de carga e condutores?
O transporte aquaviário é um concorrente desleal para o transporte rodoviário. Barato, seguro, carrega uma safra inteira de uma vez, gasta o combustível equivalente a uma única carreta para transportar a carga de cem, não detona as estradas nem sofre seus buracos e nem troca pneus.
Pretender acabar com um porto perfeitamente equipado, com alta capacidade de içamento de carga (75t) – coisa que é possível porque o cais Mauá foi construído sobre uma rocha e não sobre terra desagregada (areia) como o Navegantes, não parece muito inteligente. E para fazer o quê? Outro shopping? Porto Alegre já é a cidade brasileira com mais shoppings por metro quadrado, shoppings que levam suas lojas à falência em pouco tempo, pelos aluguéis e condomínios extorsivos cobrados dos comerciantes.
Instalar um estacionamento de carros que servirá para atrair mais alguns milhares de veículos ao funil do bairro Centro, acessível por uma passagem subterrânea na tripla confluência de rodovia, estação rodoviária e avenida Mauá, e que poderá ficar debaixo dágua, caso tenhamos mais chuvas e falhe alguma de nossas casas de bombas... tampouco é sinal de muita esperteza.
Ah, como um lembrete – nenhuma das obras ou construção previstas poderá ser vendida, apenas arrendada e/ou subarrendada.
Isto é, o empreendedor arrenda o cais, mas esse cais não é seu; constrói prédios, reforma-os, mas esses prédios também não são seus. Seus clientes, donos de hotéis, de escritórios, também não poderão comprar nada, serão apenas sub-inquilinos. Com garantias: 60 anos mais 60, se é que esses prédios novos, à base de paredes cartonadas e outras, chegarão aos 30 anos.
No entanto, a governadora tanto fazia questão desse negócio, que desafiou o governo federal, e a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), e fez uma licitação totalmente ilegal para escolher como vencedor o único inscrito – coragem se vê nessas coisas!
Casualmente, esse interessado está ligado à nossa eterna amiga Maiojama. Essa empresa, como sabemos, já havia sofrido um grande desapontamento com a movimento popular, que impediu que ela fosse dona da encosta oeste do morro Santa Teresa, como pretendia.
A Antaq entrou com uma ação contra o governo do Estado do RS, por causa dessa licitação irregular, sem falar de seu mau gerenciamento do porto, do qual não prestou contas nem explicou.
Qual a razão de toda essa pressa, de passar por cima de formalidades e legalidades? Aproveitar as vantagens do PAC da Copa. Já esqueceram? Tudo o que se fizer em nome do PAC da Copa, não paga impostos. E o cais, sendo transformado numa disneylândia ou parecido, pode ser encarado como um equipamento turístico para atender aos torcedores do outro lado do planeta Terra, que vierem a Porto Alegre, para assistir a um ou dois jogos da primeira rodada.
Precisamos de um cais operativo. E, realmente, mesmo em termos de lazer e atratividade, nada se compara à visita de um grande navio de carga, de passageiros, de guerra, de expedição científica, ou mesmo um navio-escola, pararevitalizar de verdade um cais, e nos dar a oportunidade de ter contato com esse outro mundo (além de proporcionar negócios e baixar preços de mercadorias). Até o oceanólogo Jacques Cousteau uma vez atracou no cais Mauá, e tivemos a oportunidade de conhecer sua equipe, assistir a demonstrações, exposições e aulas...
Ao invés disso, propõe-se mais outro supermercado com o atrativo extra de biscoitos mofados nas prateleiras úmidas.
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