O que era para ser uma mesa de debates entre representantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), moradores de bairros ainda não contemplados com as obras de melhorias previstas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), movimento estudantil e representantes da prefeitura, virou local para insultos.
Sentado à cabeceira da mesa com o mapa de Santa Maria como fundo, o Secretário de Ação Comunitária e ex-vereador, Cláudio Rosa, aguardava a todos em uma pequena sala nas dependências do Paço Municipal. Rapidamente, estudantes, moradores e secretários presentes, grupo formado por 15 pessoas, tomaram seus lugares. Era em torno de 15 horas e 30 minutos de hoje quando a planta baixa da localidade onde residem os moradores presentes na reunião era estendida sobre a mesa. Há anos são esperadas reformas, obras estruturais e novas construções no local a fim de melhorar a situação de vida de centenas de famílias. Após entrar na lista de lugares contemplados com verbas federais a partir do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal) a esperança dos moradores ganhou força. Contudo, tais progressos, com verbas já calculadas e liberadas pelo Governo Federal, em Santa Maria ainda não saíram do papel e vagam pela lenta burocracia.
O representante do MNLM, Cristiano Schumacher, iniciou o debate citando as razões daquela reunião e dos protestos que aconteciam na porta da prefeitura: “nós estamos apresentando uma pauta de reivindicação sobre a questão do PAC na Nova Santa Marta. Estamos trazendo também uma reivindicação da comunidade do KM3 que diz respeito ao início das obras do PAC no KM3, uma das poucas obras que ainda não iniciaram na cidade, e é uma área de irregularidades bastante complicada. E também estamos apresentando, em conjunto com os estudantes, uma solicitação de que a Prefeitura Municipal realize uma audiência pública, que não foi realizada no outro período [se referindo ao período de protestos por conta do aumento da passagem de ônibus na cidade], sobre a questão do transporte coletivo. Esses são os elementos fundamentais da manifestação de hoje”. O plano era sair da reunião com as documentações para o início das obras encaminhadas e alguma decisão quanto ao aumento da tarifa do transporte público.
Quem primeiramente respondeu em nome da prefeitura foi o Secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Sérgio Cechim. O secretário afirmou que “estivemos [representantes da prefeitura] na Santa Marta há pouco tempo e falamos dos encaminhamentos daquilo que está sendo feito. Até foi dado um prazo X e não se atendeu a esse prazo. Não se atendeu por quê? Porque têm trâmites burocráticos. Se fosse tão rápido a Administração anterior teria feito em 15 dias. E não fez”.
Enquanto a reunião acontecia dentro da prefeitura, do lado de fora estavam, sentados ou em pé com apitos, moradores da Nova Santa Marta que faltaram seus trabalhos – já que todos são empregados fixos ou têm um bico para se manterem - para reivindicar atitude dos políticos locais. A Nova Santa Marta foi ocupada há 19 anos (leia na versão impressa do Viés a matéria “Do chão batido ao asfalto”) e gerava desgosto em muitos políticos, inclusive do atual vice-prefeito, José Haidar Farret, impedido pelos moradores de entrar na Vila em sua campanha para prefeitura em 2006.
O que se esperava ali era uma reposta afirmativa da prefeitura para o início das obras, que reformarão as casas e construirão outras. Obras de mesmo caráter, iniciadas juntamente com as de Santa Maria pelo PAC, estão prontas ou em vias de finalização em cidades como Cachoeira do Sul e Passo Fundo.
“É engraçado porque o Coordenador técnico do PAC, Francisco Severo, nos informou há duas semanas que o termo de referência já estava encaminhado e que estava tramitando na comissão de licitação”, afirma Schumacher. Na reunião de hoje, porém, o Secretário Cechin deixou claro que a gestão atual ainda está acertando a burocracia com a Caixa Econômica Federal para liberação da verba: ”Eu só quero dizer que nós estamos acertando com a Caixa os detalhes finais. Eu peguei um barco andando”.
Em seguida, o representante do MNLM questionou o Secretário: “Vamos dizer que o termo de referência ficou um mês em ajustes com a Caixa, já está aqui no retorno, está na Comissão de Licitação. Então o senhor pode me mostrar o processo?” A resposta do Secretário Cechim foi rápida e sucinta: “Eu não tenho ele aqui”.
Segundo representantes do Movimento dos Moradores, o pensamento curto que se tem aqui – voltado para as próximas eleições – impede até mesmo uma imagem positiva para aqueles que não são a grande parte eleitoreira do atual prefeito. Há também um problema interno de mobilização, pois aqueles líderes do Movimento que repassam as informações e promessas, como a última previsão de 40 dias, acabam perdendo credibilidade pelo não cumprimento por parte das autoridades.
O chefe de Gabinete da Prefeitura, Haroldo Pouey, tentou calmamente explicar aos presentes que o processo estava na reta final, afirmando que naquele mesmo momento o Engenheiro Francisco Severo estaria na Caixa Econômica Federal ajustando os trâmites necessários. O tom da conversa dentro da sala foi-se aos poucos tornando-se mais contestatório e rude. “Isso tinha condições de ter sido feito há muito tempo. Faz 19 anos”, respondeu Schumacher diretamente a Pouey.
“Nesses últimos meses, com muita intensidade, o Prefeito, inclusive com reuniões mais que semanais, mais que duas vezes por semana, tem ido direto na Caixa Federal e agora o pessoal que cuida dessa parte, o Severo e a Magali [Marques da Rocha, Secretária adjunta da pasta extraordinária de Supervisão de Programas e Projetos Intersetoriais (SESPI)], estão lá na Caixa, a reunião era agora às 14h, para tratar toda hora de qualquer probleminha que tenha. Nosso pessoal está em contato direto com eles e não estão deixando passar nada. Agora, realmente, tem coisas que não se pode fazer do dia para a noite. Eu sei, a angústia é grande”, disse Pouey aos presentes. “A angústia é a mesma nossa”, completou Sérgio Cechim.
Um dos moradores da Nova Santa Marta, que permanecia até o momento apenas ouvindo, declarou: “A angústia de quem mora numa casa caindo é muito maior”.
250 casas serão pagas à vista pelos moradores, ou seja, não existe problema financeiro. A verba pública está disponível na Caixa Econômica Federal, no entanto a prefeitura não libera os editais e não adianta os trâmites burocráticos para a licença da empresa que executará as obras. Um dos presentes na mesa e militante do MNLM, sentado ao lado do Secretário Cláudio Rosa questionava e relatava os problemas que os moradores de tais bairros enfrentam diariamente.
A reunião, que antes era motivo de esperança para os militantes posicionados em frente à Prefeitura, tomou, infelizmente, o rumo desonesto. O Secretário Cláudio Rosa, iniciando uma frase inapropriada frente aos senhores de mais de 50 anos presentes no local, afirmou não haver naquela sala ninguém o qual soubesse mais sobre os problemas de como é viver na Nova Santa Marta. Um dos moradores, ao rebatê-lo, dizendo que eram eles (moradores) os mais sabidos sobre os problemas de habitação e vida do lugar, fora hostilizado por Rosa com frases como “Tu não sabes nem quando é noite ou quando é dia e vem me falar bobagens destas?”
Deu-se início, então, a uma troca de insultos entre Cláudio Rosa e os moradores presentes que, irritados e inconformados com o que ouviam de um representante de sua própria prefeitura, também alteravam o tom da voz como o Secretário. Afirmando que não tinham ido até aquele ponto de reivindicações para ouvir ofensas, os moradores se retiraram da sala.
Na Nova Santa Marta, mesmo aqueles que estão acomodados parecem não ter grandes motivações, enquanto outros já acompanham a precarização de suas residências e outros praticam aquilo que sustenta argumentos contrários a esses movimentos: a venda de terrenos. A estrutura cultural de pensamento imediato chega a autoridades e população, enquanto uma parcela se movimenta para o funcionamento completo – coletivo e privado.
Antes da reunião era possível ver o Secretário de Ação Comunitária, Cláudio Rosa, sentado calmamente junto de uma senhora, moradora da Nova Santa Marta, dizendo que “estava ali para ajudar”. Mas, a postura do Secretário mudou drasticamente dentro da reunião, proferindo ofensas contra os mesmos moradores que antes dizia querer ajudar.
Restou, após o incidente, ao chefe de gabinete Pouey, fora da sala de reuniões, tentar explicar aos que ficaram com dúvidas e sem resposta da prefeitura, que a documentação estava quase pronta para o início das mudanças. “Mas é o seguinte, não posso pegar aquilo ali como sendo o final. Só não vou dizer que é final porque senão alguém daqui diz assim: ah, aqui ó, tá pronto”.
A prefeitura, em nome dos Secretários presentes ao final da discussão, fora da sala, assegurou que em cinco dias traria respostas e documentos oficiais que outorgassem o início do trabalho reivindicado. Cinco dias.
MAS QUEM TRABALHA NÃO TEM ONDE MORAR, pelo viés de Bibiano Girard, Caren Rhoden e Liana Coll.
bibianogirard@revistaovies.com
carenrhoden@revistaovies.com
lianacoll@revistaovies.com
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