por Thiago Hoshino
Há alguns meses, o próprio Estado tem sido forçado a reconhecer que são parcos os mecanismos de controle sobre as apressadas operações para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. A recente divulgação do primeiro relatório do Tribunal de Contas da União vem no mesmo sentido: descontrole orçamentário, falta de transparência dos atos públicos, superfaturamento de obras e irregularidades contratuais fazem parte dos riscos que correm as cidades-sedes do evento e suas populações. Se mesmo as instâncias administrativas encontram dificuldade em fiscalizar as ações locais e os possíveis desvios de função, quais as vias oferecidas à sociedade para incidir nesse processo?
Embora a maior parte das discussões atuais sobre o tema gire em torno do cumprimento de prazos e do valor previsto para a execução dos projetos de infra-estrutura, movimentos sociais urbanos, organizações de direitos humanos e especialistas em planejamento têm outras preocupações. O direito à informação, por exemplo, sobre a natureza das intervenções urbanas a serem implementadas nos próximos anos e seus impactos sócio-espaciais, não tem sido respeitado. Sem acesso aos projetos, as populações locais são afastadas do monitoramento das ações estatais e o tema é retirado do debate público, para tornar-se uma questão de metas. Porém, só o tiro-de-meta, como é sabido, não é gol.
Essa postura leva a um questionamento fundamental: a quem servem toda a estrutura administrativa e os recursos disponibilizados nos diversos níveis federativos para a viabilização de um mega-evento como este? Até que ponto realmente todo o esforço institucional despendido tem em vista a satisfação de interesses públicos? Não se trata de questionar a legitimidade da Copa, nem mesmo a vontade geral em recepcioná-la. Mas é preciso que o façamos de maneira lúcida, democrática e com repartição social dos benefícios e não apenas dos ônus, como vem sendo o padrão.
Condições, prazos e investimentos, vale destacar, não são demandas populares, mas exigências verticalizadas, contidas em acordos entabulados entre governos e entidades internacionais, como a FIFA. A obediência aos deadlines contratados é utilizada como aparato discursivo que pretende justificar posturas quase unilaterais. Afinal, audiências públicas, consultas prévias e estudos de impacto (orçamentário, ambiental e de vizinhança) tomam um tempo que, supostamente, não temos. Todavia, e se, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, descobrirmos as falhas na nossa estratégia e os furos em nossa equipe? Qual o árbitro competente para julgar as faltas cometidas?
Aos países cabe sujeitar-se a Cadernos de Encargos, bem como os Municípios devem respeitar o chamado Host City Agreement, o que pode implicar desde alterações legislativas – na regulamentação urbanística e tributária, por exemplo, como ocorreu em Curitiba – até remoções e despejos massivos. Ou então, a instalação de tribunais ad hoc, como se observou na África do Sul. Estaremos sendo responsáveis pela construção de todo um regime de exceção para a Copa do Mundo de 2014? O jogo permanece desigual.
A população de baixa renda e os grupos sociais vulneráveis, maiores afetados por essa movimentação, pouca ou nenhuma garantia têm de que seus direitos serão respeitados. Se cidades mais caras, menos funcionais e mais excludentes são o resultado dessa partida, então não teremos saído do zero-a-zero. Com base nos princípios da gestão democrática, da justiça fundiária e da função social da cidade, a sociedade civil reivindica sua participação no processo decisório. Não é assim que se tira todo o time de campo.
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