domingo, 28 de novembro de 2010

Por uma Porto Alegre Democrática, Livre e de Todos: Habitação Popular, não Guetos Sociais!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010





Manifesto do FERU-RS propondo alternativas ao Projeto de Lei da Prefeitura de Porto Alegre que cria Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), para os inscritos no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e para os reassentamentos envolvendo a Copa de 2014 na capital.



O PMCMV proporciona uma oportunidade inédita para se garantir o acesso à cidade para os moradores das metrópoles brasileiras com renda familiar mensal até 3 salários mínimos. Para Porto Alegre, de início, foram anunciados no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental investimentos de R$ 270 milhões de reais. Esta oportunidade se deve não apenas ao montante disponível,  mas à decisão de subsidiar fortemente o acesso à moradia para as classes populares e à possibilidade de vinculação entre financiamento e regularização fundiária nas áreas onde as pessoas já estão morando.  Foi apostando nisto que, apenas em Porto Alegre, ocorreram mais de 54 mil inscrições no Programa.



Esta oportunidade, entretanto, corre o risco de se transformar em pesadelo, caso a prefeitura se deixe levar pelo canto de sereia das incorporadoras imobiliárias e insista em transferir os pobres para a periferia da periferia da cidade, onde os serviços são inexistentes, o sistema de transporte é precário e as oportunidades de emprego e geração local de renda praticamente nulas. Uma combinação perversa entre ganância privada e descaso público pode gerar um enorme problema social, urbano, ambiental e econômico para as gerações atuais e futuras. É inaceitável que os recursos disponíveis para habitação popular sejam utilizados para reproduzir mais segregação sócio-espacial. A concentração de milhares de famílias de baixa renda em locais distantes da área urbana consolidada gera guetos sociais, como se viu na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, ou na Restinga, há mais de quarenta anos em Porto Alegre, além de obrigar a Prefeitura a enormes investimentos no tempo para suprir estas áreas com a infraestrutura e os serviços necessários.



Nos últimos 20 anos foram feitos investimentos em saneamento básico, água, pavimentação, transporte coletivo e serviços sociais (escolas, creches, postos de saúde, programas assistenciais, culturais, esportivos, etc.) em todos os bairros populares de Porto Alegre. É aí que o PMCMV deve ser realizado, ampliando e melhorando as condições de infraestrutura e serviços existentes.  Entretanto, através do Projeto de Lei no 854/10, verificamos que a quase totalidade das 31 áreas propostas pela prefeitura como AEIS para o PMCMV se localizam para além dos bairros populares atuais. Mesmo no caso das 10 AEIS adicionais previstas para os reassentamentos decorrentes das obras da Copa de 2014, não há segurança de que todas as famílias atingidas aí terão lugar.



Do ponto de vista legal, existem pelo menos duas contradições entre o Projeto de Lei no 854/10 e a Lei Complementar no 636, aprovada na Câmara de Vereadores em janeiro de 2010. A lei aprovada determina que o PMCMV “atenderá a, no mínimo 80% (oitenta por cento) da DHP (demanda habitacional prioritária) por região de planejamento, em áreas identificadas nas próprias regiões” (Parágrafo Único do Art. 3o). O  PL no 854/10 invalida este princípio duplamente:
(a)  Concentra a disponibilidade de AEIS nas regiões Restinga e Extremo-Sul e, assim sendo, não contempla a identificação de áreas nas próprias regiões onde se origina a demanda; e,
(b)  No seu Art. 74o, o PL no 854/10 cria uma regra de exceção aos 80%, ao afirmar que “para os empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida, destinados ao reassentamento de famílias em função de obras da Copa de 2014,  não se aplica o disposto no parágrafo único do artigo 3o da LC 636 (...).”



Isto significa, por exemplo, que as 1.800 famílias que a prefeitura pretende retirar de suas casas em função da duplicação da Av. Moab Caldas, não teriam nenhuma garantia de reassentamento na sua própria região. A fratura de comunidades existentes e a criação de guetos urbanos contrariam os princípios do Estatuto da Cidade e do próprio PMCMV, expressando um retrocesso urbanístico inaceitável para Porto Alegre.



Diante da presente situação, o FERU-RS defende que:



I. O PL 854/10 seja apresentado, discutido e votado em todas as regiões de planejamento da cidade, tendo em vista que altera o Plano Diretor.
II. Privilegie-se a possibilidade de urbanização e edificação na própria área onde as pessoas residem, como ocorreu na Vila Planetário, Integração do Anjos, Condomínio Princesa Isabel, Vila dos Papeleiros, entre outras.
III. Haja a garantia de que a população tenha acesso ou continuidade às suas atividades relacionadas ao trabalho e geração de renda no local de reassentamento.
IV. Em caso de real necessidade de reassentamentos, sejam gravadas como AEIS áreas na própria região onde os moradores vivem.
V. Seja garantida a instalação de equipamentos e serviços públicos nos casos em que os moradores aceitem o reassentamento em áreas distintas de onde moram (água encanada, saneamento básico, pavimentação, calçadas, iluminação pública, redes de telefonia e internet, creches, escolas, postos de saúde, lazer e sistemas regulares de transporte público durante as 24 horas do dia).
VI. Seja realizado levantamento público e transparente de prédios vazios no centro da cidade passíveis de aproveitamento e/ou reforma para fins de moradia popular.
VII. Os projetos habitacionais sejam feitos em parceria com instituições de pesquisa e assessoramento, ONGs, entidades profissionais e organizações comunitárias de base, assegurando o planejamento participativo e o respeito às necessidades dos futuros moradores.
VIII. Os instrumentos do Estatuto da Cidade sejam efetivamente aplicados, cabendo à Prefeitura de Porto Alegre regular a função social da propriedade e coibir a especulação imobiliária através dos instrumentos legais disponíveis.



O FERU-RS entende que Porto Alegre precisa caminhar rumo a um modelo de cidade que respeite os mais pobres e delimite áreas efetivamente urbanas para a habitação de interesse social. Basta de discriminação sócio-espacial! Uma cidade tem que ser para todos. É um insulto aos direitos básicos de cidadania que propostas de higienização social e limpeza étnica, cultural e de classe se escondam atrás de megaprojetos, ligados a eventos altamente populares como o futebol.



Assinam este Manifesto as seguintes entidades integrantes do FERU-RS:



ACESSO – Cidadania e Direitos Humanos; AMOVITA – Associação de Moradores da Vila São Judas Tadeu; Associação de Moradores do Centro de Porto Alegre; CIDADE – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos; CMP - Central dos Movimentos Populares; CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores; FEGAM-RS - Federação Gaúcha de Associações de Moradores; Fórum de Justiça e Segurança da Região Nordeste; IPES – Instituto de Planejamento e Estudos Sócioambientais; Movimento Defenda a Orla; MNLM-RS – Movimento Nacional de Luta Pela Moradia no RS; Movimento dos Trabalhadores Desempregados - MTD/Poa; Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo; SAJU-Ufrgs – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS; SEMAPI-RS – Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do RS; Observatório das Metrópoles – Núcleo de Porto Alegre; Grupo de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana da UFRGS; AGB-PA – Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção Porto Alegre.


Novembro de 2010

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