domingo, 28 de novembro de 2010

FRENTE NACIONAL DE RESISTÊNCIA URBANA BLOQUEIA PRINCIPAIS RODOVIAS DO BRASIL

Por Gabriela Moncau

Nesta quinta-feira, 23 de setembro, aproximadamente 300 pessoas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam, por cerca de 5 horas, o Ministério das Cidades, em Brasília. A ação marcou o último dia das manifestações que aconteceram por vários estados do Brasil durante a semana, dando início à Jornada da Campanha Nacional Contra Despejos – Minha Casa, Minha Luta, emplacada pela Frente Nacional de Resistência Urbana (FNRU), composta por diversos movimentos sociais que lutam por moradia.

A Jornada foi inaugurada essa semana nas regiões Norte e Nordeste, nos dias 20 e 21 de setembro, com o bloqueio das grandes avenidas Brasil e Distrito Industrial no Amazonas, além de ações em Pernambuco e Bahia. No Pará o travamento do principal Porto da cidade resultou em confronto com a polícia e a detenção de uma militante do Movimento de Luta Popular (MLP). Em São Paulo, na manhã da quarta-feira, 22, cinco das principais rodovias foram bloqueadas: cerca de 400 pessoas fecharam as rodovias Santos Dumont e a Anhanguera.

Na grande São Paulo foram bloqueadas a Raposo Tavares, Régis Bittencourt e o Rodoanel Oeste, todas contaram com a chegada da polícia militar, bombeiros e Força Tática, porém sem conflitos. Em Minas Gerais o Anel Viário – principal via de acesso a Belo Horizonte – foi bloqueado por cerca de 400 pessoas durante 3 horas, contando com adesão das comunidades próximas, que aproveitaram para publicizar a sua reivindicação por passarelas. No Paraná o MTST travou a Avenida Rui Barbosa.

Em nota divulgada após os trancamentos de quarta-feira no sítio do MTST, afirmam: “Paralisamos porque só assim nós - os que temos sido calados há séculos, nós os que tudo construímos e nada temos - podemos abrir a possibilidade de ser ouvidos, apenas com ações como esta saímos da invisibilidade em que nos aprisionaram e onde temos sido derrotados para mostrar ao país, a outros trabalhadores e trabalhadoras como nós somos e o que temos vivido”.

O conjunto das manifestações foi vitorioso: em Brasília o movimento conseguiu uma reunião com membros da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, dando passos significativos contra despejos em curso em Amazonas, Minas Gerais e São Paulo e abrindo negociação para regularizar terrenos nos estados do Pará, Paraná e Amazonas. “Além disso, conquistamos para as famílias do movimento a construção de novas moradias no Distrito Federal e em São Paulo”, relata Guilherme Boulos, representante do MTST.

Como o próprio nome já diz, a campanha nacional faz uma contraposição ao programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida anunciado no início de 2009, que para o entendimento da Frente Nacional de Resistência Urbana (FNRU), cumpre o papel de alimentar a indústria da construção civil. Os projetos são geridos pelas empreiteiras, que decidem quais os que vão adiante. É o caso dos projetos para famílias com renda maior, particularmente na faixa de 3 a 10 salários mínimos. O problema é que 85% do déficit habitacional brasileiro corresponde a famílias na faixa de renda de 0 a 3 salários”, explica Boulos.

No manifesto da Campanha Nacional Contra Despejos – Minha Casa, Minha Luta, os movimentos exemplificam como as empreiteiras tem sido beneficiadas pelos programas de moradia do Estado. O fato do setor da construção ter puxado a alta da Bolsa de Valores de São Paulo no início de 2009, uma valorização acionária de 87%; “além disso, foi o setor que isoladamente mais recebeu do governo nas chamadas ‘medidas anti-crise’, com R$33 bilhões só através do Minha Casa, Minha Vida, para não citar o PAC; por fim, como pagamento dos bondosos investimentos estatais, o capital imobiliário se destaca como o maior financiador de campanhas eleitorais do Brasil – tendo ‘bancadas’ em todas as instancias parlamentares e inúmeros representantes nos governos”, denuncia o documento.

Esses fatores, porém, não foram os únicos que impulsionaram a urgência das manifestações e a exigência de negociações com o Ministério das Cidades. A lembrança do Pan-Americano de 2007 no Rio de Janeiro, com inúmeros despejos, chacinas como a do Complexo do Alemão e construção de muros ao redor das favelas, não trazem previsões muito promissoras a respeito da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas de 2016. Na visão da FNRU, o “sonho de muitos brasileiros promete tornar-se um terrível pesadelo”, e o tempo urge: para as obras da Copa ficarem prontas a tempo, as licitações tem que ser feitas agora.

“O número de famílias despejadas no país – e não será só nas cidades-sede – deve chegar à casa das centenas de milhares. Em muitos casos, despejos sem indenização e sem alternativa de moradia. Ou com os ridículos ‘cheques-despejo’, com um valor que não permite sequer a compra de um barraco numa encosta de morro”, afirma o manifesto.

De fato, as políticas de “higienização social” já estão sendo colocadas em prática: além dos inúmeros despejos, a repressão aos trabalhadores informais tem se intensificado e a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro não por acaso se deu nas regiões em que as comunidades estão próximas das áreas ricas da cidade carioca, principalmente na zona sul. Em entrevista para o Brasil de Fato, Taiguara Souza do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH) aponta que “a UPP busca legitimar a continuidade da política de extermínio, apaziguando o clamor popular através de uma suposta ‘pacificação’. Apresenta-se como um novo modelo, mas, na verdade, é um adendo ao modelo anterior. As UPPs são direcionadas a lugares estratégicos, tendo em vista as Olimpíadas e a Copa do Mundo”.

“Quem está sorrindo com isso é o grande capital imobiliário, que deverá se empanturrar com obras faraônicas, financiadas com dinheiro público, e verá seus grandes terrenos valorizarem-se absurdamente”, diagnostica o manifesto, que ilustra: “Só para construção de estádios, o BNDES já anunciou um crédito de R$5 bilhões à disposição dos interessados. E outros bilhões virão para os empreiteiros”.

Diante desse cenário, a plataforma da FNRU se posiciona contra os despejos e remoções e a especulação imobiliária, reivindicando desapropriações de imóveis vazios, construção de moradias populares baseada no subsídio integral, na qualidade habitacional e na gestão direta dos empreendimentos.

Durante o trancamento das 8 pistas do Rodoanel em São Paulo, ao grito de ordem “Revolucionários do Brasil, fogo no pavio, fogo no pavio!”, uma militante do MTST assegura: “o cerco parece estar fechando, mas não me preocupo não... Enquanto a gente não conseguir moradia digna para todos, não vamos parar. Da luta do povo a gente nunca se cansa”.

* Texto extraído da Revista Caros Amigos.

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