domingo, 14 de novembro de 2010

Polícia Federal retira sem tetos de prédio do INSS abandonado há mais de 10 anos

POR EDUARDO SÁ, 05.11.2010


"Se morar é um direito, ocupar é um dever", protestaram os ocupantes após o despejo. Foto: Chapolim.
Cerca de 50 famílias foram retiradas pela Polícia Federal na última segunda-feira (01) de um prédio do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), no centro do Rio, após quase dois dias de ocupação. O edifício fica na Rua Sara, no bairro do Santo Cristo, e segundo os relatos da vizinhança está desativado há mais de 10 anos.
A “ocupação guerreiro urbano”, como é chamada por seus integrantes, foi realizada de forma pacífica por sem tetos com o apoio de alguns movimentos e simpatizantes. A Polícia Federal informou que foi acionada pela empresa de segurança cujo vigia trabalha no local. Com o apoio da Polícia Militar todos os ocupantes foram retirados do prédio. De acordo com as lideranças dos sem teto, três pessoas foram levadas para a delegacia mas já foram liberadas.
A polícia militar também participou da operação, mas não houve nenhum confronto. Foto: Chapolim.
De acordo com o relato dos ocupantes, o prédio foi ocupado no último sábado (30) à noite, quando os integrantes quebraram a corrente da porta e começaram a limpar o edifício para dar um fim social ao estabelecimento. Um dos integrantes dos coletivos de apoio à ocupação, Rafael Almeida, que está fazendo mestrado de geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participou desde o início do processo e criticou a atitude da polícia na hora do despejo. Segundo ele, além do tratamento indevido por parte dos policiais, não foi apresentado nenhum documento de reintegração de posse do imóvel, o que seria um procedimento ilegal.
“Estamos reivindicando que o prédio cumpra o seu papel. O direito à moradia é um direito constitucional que todo cidadão brasileiro tem, e essas pessoas não têm moradia, estão em casa de parentes, amigos ou na rua. A polícia federal chegou, a gente pediu a presença do Iterj [Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro], que é o mediador de conflitos, e a presença do Conselho Tutelar, porque tem crianças e idosos aqui; mulher grávida também. Eles entraram de forma extremamente violenta, agrediram verbalmente, jogaram gás de pimenta, o delegado responsável se negou a se identificar e pediu a identificação de todos que prontamente se identificaram. Isso gerou uma revolta, nenhum policial estava com identificação, o que é ilegal”, criticou o ocupante.
A Polícia Federal informou em nota que “foi acionada pelos seguranças do imóvel e agiu, prontamente, para evitar a ocupação. A resposta da equipe policial ocorreu na mesma madrugada que o prédio estava sendo ocupado, segundo informações apuradas pelos policiais. A desocupação do imóvel transcorreu pacificamente sem emprego de qualquer tipo de armamento ou gás de efeito psicológico ou moral”.
O defensor público do Núcleo de Terras e Habitação do estado do Rio de Janeiro, Alexandre Mendes, esteve no local logo após o despejo e afirmou que será realizada uma apuração sobre o procedimento dos policiais. Ele destacou que essas famílias sem teto não têm alternativa de moradia e estavam ocupando um espaço sem destinação social, como previsto em lei.
“A defensoria vai avaliar mais o procedimento policial de retirada, porque há uma forma legal para fazer qualquer despejo de pessoas. Se houver qualquer irregularidade, nós vamos encaminhar para a corregedoria de polícia. A legislação diz claramente que toda propriedade, inclusive pública, tem que ter uma destinação social. Principalmente se for do órgão da previdência social, que deveria ser usado para os direitos sociais e não ficar abandonado: inclusive gerando despesas para a União, para manter um aparato de segurança para proteção de prédios abandonados, que muitas vezes ainda oferecem risco para os pedestres”, disse o defensor público.
Os pertences dos ocupantes foram colocados na rua com o despejo. Foto: Eduardo Sá.
Ainda de acordo com Alexandre Mendes, a defensoria defende que qualquer despejo forçado deve ser realizado com uma ordem judicial fundamentando, de acordo com a resolução das Nações Unidas. Ele observou que o abandono de prédios do INSS é uma situação mais geral que existe no Rio de Janeiro e em outros lugares, e a luta é para que esses prédios se tornem habitação social. Essa seria uma alternativa, “já que há um déficit habitacional que todo mundo conhece”, ressaltou.
Carlos Alberto, desempregado, participou pela primeira vez de uma ocupação. Ele disse que entrou no movimento porque está precisando de moradia e não tem como pagar o aluguel.
“ Eu vi nesse movimento do sem teto uma oportunidade de obter uma moradia, já que atua na legalidade pois só podemos ocupar prédios ociosos há mais de 5/10 anos. Quem está arbitrário aqui são eles, se você observar o prédio ele está completamente abandonado. Não tinha segurança, e já venceu o prazo de 72 horas”, afirmou.
Outro ocupante retirado do prédio foi Marcos Ferreira, que é camelô e estudante, pretende fazer a prova do Enem no próximo fim de semana. Ele disse que pessoas passaram mal e as crianças se retiraram, pois os policiais deram tiros para dispersar as pessoas.
“As pessoas querem ter uma moradia digna. Por que querem levar as pessoas só para zona norte ou oeste se a maioria delas ganha um salário baixo no centro do Rio? Ninguém quer enfrentamento, apenas um lugar para morar”, desabafou.
Segundo o manifesto do movimento, “o déficit habitacional do município é maior do que 150.000 (estimativa oficialmente subestimada), sendo que em cada 10 pessoas que necessitam de moradia, 9 ganham de 0 a 3 salários mínimos. Mesmo com tanta gente precisando de moradia, existem mais de 220 mil domicílios vagos no município do Rio de Janeiro”.
O INSS informou, por meio de sua assessoria, que o prédio não está abandonado, e sim desocupado e mantido sob vigilância da empresa Protex Segurança.
“O imóvel foi adquirido pelo ex Instituto de Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), através de permuta de imóveis para fins de utilização pelo ex-INAMPS. Atualmente não existe previsão de uso por esta Gerência executiva. Está em processo de alienação para o Ministério das Cidades para habitação popular, processo em andamento, cuja finalização da venda está na dependência da Caixa Econômica Federal que é responsável pelo pagamento “.
(*) Leia também no Fazendo MediaDéficit habitacional no Rio não se limita às favelas

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