Por Paulo Guarnieri. Publicado no Jornal do Centro.
O estado do Rio de Janeiro nos dá importantes exemplos de como é importante considerar, no planejamento urbano e nas ações de estado, a sustentabilidade social e ambiental das nossas cidades. O primeiro exemplo, na ocupação dos morros pela “Polícia Pacificadora”, aponta com muita clareza os riscos trazidos à urbanidade pela segregação espacial dos assentamentos humanos. Ora, permitir a construção de uma cidade de pobres, à margem da cidade dos ricos, só poderia resultar no que deu.
A exclusão social promovida desta forma, localizada em espaços restritos, põe a nu as diferenças e estimula o conflito, criando a noção de território marginal. A segregação espacial da cidade estigmatiza e potencializa a exclusão, à medida que limita as possibilidades de convívio social e de oferta de oportunidades, isto tudo determinado pelo medo, produzido pelo próprio estigma. O resto fica na conta do sistema educacional precário, do preconceito, da família desestruturada, da mídia que estimula o consumo como paradigma de sucesso, da TV que divulga o ócio, a truculência e a disputa inescrupulosa.
O segundo exemplo que vem do Rio são os vários desastres ambientais ocorridos, devido a cheias e deslizamentos de encostas, neste início de ano. O interesse econômico se sobrepõe ao interesse social e à preservação ambiental, colocando em desequilíbrio a nossa condição de vida.
Aqui em nossa terrinha, embevecidos com a realização da Copa do Mundo, parlamentares da Câmara Municipal autorizam uma profunda flexibilização urbanística ao longo da orla do Guaíba.
No Cais do Porto, será possível construir torres de 100 m de altura (próximo à rodoviária) e um prédio ao lado da Usina do Gasômetro, com quase 40 m de altura e taxa de ocupação de 90% na base, que aniquila com a paisagem local, e tudo isto como contrapartida do “Público” ao setor privado, pela recuperação de uma dúzia de antigos armazéns do cais. Três torres da Maiojama, quase em frente à SMOV. Ampliação do Shopping Praia de Belas e construção de Edifício Garagem, com ocupação do espaço aéreo sobre a via pública, sem ônus. Ampliação da Rua Praia de Belas, com implantação de sistema binário com a Borges de Medeiros. Serão quatro pistas de alta velocidade em cada uma das vias, com fluxo em sentido contrário, separando a população do Parque Marinha. No Parque, uma pista o cortará pelo meio. O novo Plano Diretor já permite construções de 52m de altura ao longo de Borges de Medeiros e Praia de Belas. No entorno do Gigante da Beira Rio, está autorizada por lei a construção de 5 Beira-Rios em volume de concreto.
Ora, no Cais do Porto são previstos 5.000 estacionamentos, de veículos que deverão acessá-lo pela Mauá via Usina. No Beira Rio, em noite de jogos importantes circulam cerce de 25.000 automóveis, circulando entre o gargalo viário do Viaduto da José de Alencar, onde desembocará o binário Borges/Praia de Belas e o entroncamento do binário Padre Cacique/Pinheiro Borda. As obras necessárias para resolver os problemas provenientes do aumento do fluxo viário produzido pelos novos empreendimentos, “serão demandadas pela população e realizadas pelo Poder Público, como sempre”, conforme depoimento de técnico da SPM em reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. Pasmem! As licenças ocorrem até mesmo sem as contrapartidas e medidas mitigadoras exigidas pela Lei Federal. É desnecessário dizer que tudo é planejado e feito com expulsão da população de baixa renda, com reassentamento em localidades distantes e sem infraestrutura, ou até mesmo colocando à disposição dinheiro para morarem onde quiserem, é claro que não o suficiente para permanecerem no bairro em que residem. A lógica utilizada é a de privatização da orla, o que contraria radicalmente a sua vocação de uso comum.
Os processos legislativos que instituíram as alterações urbanísticas do Pontal do Estaleiro e do Campo dos Eucaliptos (CMPA), e o projeto de lei para autorização de venda das terras da FASE no Morro Santa Teresa (ALERGS), demonstraram com nitidez que a simples alteração da lei pode valorizar a terra em até 10 vezes, o que pode ser um ótimo negócio para um pequeno grupo de investidores, mas não aponta para um padrão de desenvolvimento econômico com sustentabilidade social e ambiental.
Resumindo, estamos seguindo os passos que levaram o Rio de Janeiro à condição que hoje se encontra. Não podemos esquecer que todas estas possibilidades são construídas no meio político. É na Câmara de Vereadores que as leis são votadas e é no Gabinete de Planejamento que os empreendimentos são autorizados, na negociação com os empreendedores privados.
Cada vez mais, é necessário o controle cidadão sobre os políticos eleitos. É preciso dedicar uma atenção especial àqueles que se utilizam das paixões humanas para conquistarem vitórias eleitorais. São muitos os nichos sociais refratários à discussão política, que elegem grande número de parlamentares, como: os futebolistas, os carnavalescos, os tradicionalistas, os religiosos. Grupos humanos motivados por grandes paixões, que cerram os olhos à política e com seu voto elegem representantes que atuam sem controle, sem a fiscalização cidadã do eleitor, e assim praticam os maiores vandalismos com a cidade. Via de regra, sucumbem ante o poder incontrolável da especulação imobiliária, contribuindo com a lógica de segregação espacial da cidade e autorizando a carga sobre áreas ambientalmente vulneráveis. A pretexto do desenvolvimento econômico, sacrificam a sociedade e o ambiente natural.
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