terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sandra Quintela: “É um espetáculo para inglês ver”

por Luiz Carlos Azenha
Quando o Rio se preparava para sediar os Jogos Panamericanos de 2007, o discurso era o mesmo que se ouve agora, sobre o futuro da cidade depois da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Para justificar o investimento de 30 milhões de reais, muito se falou no “legado do Pan”.
Quatro anos depois, a economista Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), diz que praticamente não houve legado para a população em geral. As obras custaram dez vezes mais, perto de 300 milhões de reais. Dois equipamentos construídos com dinheiro público foram privatizados — o Engenhão para o Botafogo, que ganhou a concessão por 36 mil reais mensais e a Arena Olímpica, hoje Arena HSBC, pela GL Events, até 2016.
Outras instalações, como o Parque Aquático Maria Lenk, tem tido uma utilização muito abaixo do que se imaginava então. E, segundo Sandra,o Centro Nacional de Tiro Esportivo Tenente Guilherme Paraense, em Deodoro, só voltou a ser utilizado recentemente, nos Jogos Mundiais Militares.
Isso, numa cidade e num estado que exibem deficiências graves. Sandra exemplifica com os problemas no Hospital Rocha Faria, as dificuldades no trânsito — uma viagem entre Campo Grande, na zona Oeste e o centro do Rio pode levar três horas — e os professores estaduais em greve, com um salário-base de cerca de 700 reais.
Ela também lembra que a Vila Olímpica, construída com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, “foi entregue ao mercado imobiliário”.
Mas a preocupação da economista se volta para o futuro.
Ela decorre de três questões pouco debatidas pela sociedade e aprovadas a toque de caixa pelo Executivo e pelo Congresso: o aumento no limite de endividamento das cidades e estados-sede da Copa de 2014; a alteração na Lei de Licitações, que permite a uma empresa assegurar uma obra sem o projeto definitivo, ou seja, sujeita, em tese, a numerosos aditivos; e as isenções fiscais que serão concedidas ao Comitê Organizador Local (COL), à FIFA e a outras empresas ligadas à promoção da Copa de 2014.
A combinação de renúncia fiscal com endividamento público é concreta; as projeções de benefícios, meras projeções.
A economista lembra que as promessas de que não haveria dinheiro público investido nos estádios já se esfarelou. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), diz Sandra, só 1,44% dos R$ 25 bilhões previstos em investimentos para a Copa virão da iniciativa privada. O BNDES e a Caixa Econômica Federal, afirma, estão garantindo 50% dos recursos para os estádios.
Sandra teme que o que aconteceu no Rio, com o “legado do Pan”, vá se repetir no Brasil: investimentos públicos agora gerando lucro privado mais tarde. Com a conta paga pela população.
Embora as condições da Grécia sejam bastante específicas, a economista adverte que existe consenso de que os gastos com as obras para as Olimpíadas de 2004, em Atenas, foram um agravante para a crise econômica hoje enfrentada pelo país.
Faz uma pergunta: “A partir de 2017, quem é que vai pagar a conta?”.
E conclui: “É um espetáculo para inglês ver”.
Para ouvir a gravação, clique aqui:
 

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