Moradores criticam política habitacional da Prefeitura de POA
Rachel Duarte
O bairro Cristal, na zona
Sul de Porto Alegre, está sendo atravessado por máquinas por todos os lados. A
Avenida Tronco, uma das principais obras preparatórias da cidade para a Copa do
Mundo de 2014, e o Projeto Integrado Socioambiental (Pisa) são os responsáveis
pelas intervenções na região. Os benefícios das duas iniciativas são
reconhecidos pelas autoridades e moradores — porém, não há consenso quanto aos
interesses do poder público e da população. Na noite desta quarta-feira (2), as
entidades de moradores da região se uniram na plenária do Orçamento
Participativo para cobrar da Prefeitura de Porto Alegre a regularização
fundiária nas áreas atingidas com as obras. Segundo os moradores, as casas estão
sendo varridas do trajeto das grandes obras sem a garantia de uma nova moradia.
Em troca das futuras casas, a Prefeitura concede uma ‘bolsa moradia’ no valor de
R$ 52 mil, considerado irrisório pelas famílias.
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A oferta é uma medida paliativa, já que
houve problemas na licitação da obra da Avenida Tronco, justificou o prefeito.
Segundo ele, a Caixa Econômica Federal não aceitou a empresa contratada para a
construção dos loteamentos para reassentamento das 1,4 mil famílias que terão
que deixar a área. “Estamos refazendo a licitação para construção de mil
unidades habitacionais. Está em andamento. Nosso compromisso é, assim que
estivermos terminado a licitação, ver com as famílias os lotes e as casas onde
irão morar. Parte das famílias, cerca de 600, já receberão o bolsa moradia para
deixar as casas agora porque, como atrasou, teremos que fazer a obra sem os
apartamentos estarem prontos”, admitiu Fortunati.
O prefeito salientou que as obras precisam acontecer de forma célere para que
Porto Alegre não perca os recursos federais destinados a construção da Avenida
Tronco. Mas reforçou que, “nenhuma família da sairá do Cristal sem previsão da
futura moradia ou o aluguel social”.
Até o momento, a Prefeitura adquiriu 20 terrenos no bairro Cristal. Destes,
17 foram indicados pela Comissão de Moradores da Vila Cristal e Divisa e, outros
três, adquiridos pelo governo na Avenida Jacuí. Os terrenos são poucos para
atender as 482 famílias cadastradas na região, alegam os moradores. Além disso,
as unidades serão feitas com recursos do Minha Casa, Minha Vida, o que poderia
ser feito independente da licitação da construção da nova avenida.
“Porque não foi feito isso antes? Não temos onde morar. É tudo sempre na
intenção com este governo. Eles querem começar a obra no final de maio e as
casas nem foram construídas. Como terá aluguel para tantas famílias? Não é só o
Cristal. A Avenida Tronco afetará também a Vila Cruzeiro e a Vila Tronco. Para
onde vai toda essa gente?”, questiona a representante da Comissão de Moradores
da Vila Cristal e Divisa, Noeli Ferreira.
A comissão acompanha as reuniões para a realização das obras na região e
cobra a falta de inclusão da comunidade nas decisões. Das 25 assembleias que a
Prefeitura diz ter realizado para negociar com os moradores e orientar sobre o
andamento das obras, apenas cinco foram efetivamente realizadas. “E por pressão
nossa. Nós trancamos o cadastro do Departamento Municipal de Habitação para eles
poderem vir nos atender”, conta Noeli.
Chave por chave
Parte dos moradores do bairro Cristal, que estão atingidos pelas obras e
desacreditados da promessa da futura moradia que ainda não existe, se juntaram
ao Comitê Popular Copa – Bairro Cristal e criaram o movimento Chave por Chave.
Com cartazes do movimento em punho, cobravam atenção do prefeito de maneira
incansável na plenária do OP. Muitos moradores ultrapassavam o tempo de três
minutos das intervenções previstos no regimento interno, tamanha a sede de
diálogo com o poder público. “Sabemos que são obras importantes. Mas as
secretarias podem conversar com os moradores. Nós somos lideranças que podem
auxiliar nas negociações. Não somos bicho, sabemos conversar”, disse a
conselheira do OP, Jurema Barbosa.
As cobranças da comunidade foram feitas diretamente ao prefeito José
Fortunati. Alguns moradores se posicionaram na frente do chefe do executivo
municipal para fazer as cobranças. Todos os inscritos apresentavam a mesma
queixa: falta de política habitacional. “Quando vimos que eles estavam só
enrolando e não teríamos garantia nenhuma e ficaria só no papo, criamos o
movimento Chave por Chave. Eles querem ruas, nós queremos casa”, salientou a
moradora Noeli Ferreira.
O prefeito falou ao final das intervenções de moradores e conselheiros e
utilizou a nomenclatura do movimento para reafirmar mais um compromisso verbal.
“Será chave por chave. Estamos dispostos a manter as famílias onde elas vivem
enquanto não tem as casas. Se perdermos os recursos da obra, depois é outra
discussão”, comprometeu-se. E salientou que os moradores “só sairão das casas
com a construção das novas moradias”. Porém, condicionou a construção ao governo
federal, que terá que garantir os recursos do Minha Casa, Minha Vida para o
começo da construção do lotes. “Terá que ter os recursos do programa”,
salientou.
Falta política habitacional
Os problemas da falta de uma política
habitacional capaz de intervir nas comunidades na mesma velocidade que as obras
de infraestrutura ou de forma previdente não se resumem às obras da Copa do
Mundo. O representante da Associação de Moradores das Mulheres Anita Garibaldi
contou que depois de 10 anos de espera por uma regularização fundiária, as 41
famílias que ocupam uma área as margens do Arroio Cavalhada, na Avenida Campos
Velho, serão varridas por uma nova via que está prevista para ser aberta no meio
da vila. “Como vão fazer rua lá se está a poucos metros do arroio? Estamos há 10
anos esperando uma regularização. São 10 anos, não 10 semanas, nem 10 dias. E
agora, para nossa surpresa, nos informam que será feito uma rua lá. Para onde
vamos?”, questionou ao prefeito.
Já o presidente da Associação de Moradores da União Vila Pedreira, Lindomar
de Oliveira pediu soluções do poder público diante da ordem judicial de despejo
de 20 famílias na Vila Pedreira. “Com estes megaprojetos sendo feitos na região,
os proprietários das terras ocupadas estão buscando a posse das áreas. Mas, a
prefeitura cede a estes interesses imobiliários e não fará nada por nós? Essas
famílias vão morar onde?”, indagou.
Projeto Socioambiental atinge moradias
Outra iniciativa da Prefeitura de Porto Alegre que está encontrando problemas
de falta de política habitacional é o atrasado Projeto Integrado Socioambiental
(Pisa), criado ainda na gestão do PT em Porto Alegre. O programa tem como
principal objetivo ampliar a capacidade de tratamento de esgotos da capital de
27% para 77% até 2012.
Desde o ano passado moradores alegam estar
sofrendo com os abalos do solo e tendo as casas rachadas. O quarto de uma das
residências localizada em frente ao núcleo São Francisco da Creche Nazaré, que
fica na comunidade Nossa Senhora das Graças, também foi atingido pelas obras. A
rachadura de 20 cm separa o telhado da parede e o piso da cozinha está cedendo.
Em agosto de 2011, um acidente em uma das obras do Socioambiental, no bairro
Hípica em Porto Alegre, teve como consequência, a morte de dois operários e
outros nove feridos.
No dia 16 de abril de 2012, o Sul21 denunciou que uma máquina do Departamento Municipal de
Agua e Esgoto (DMAE) atingiu casas na Avenida Icaraí, no bairro Cristal. Por
vontade dos moradores atingidos, o caso foi levado à justiça mesmo contra a
vontade do poder público, que propôs acordo para continuar a obra e evitar mais
uma repercussão negativa sobre irregularidades nas obras. Diante deste quadro, a
juiza Lílian Cristiane Siman, da 5ª Vara do Foro Central, paralisou totalmente
as obras do Programa Socioambiental da Prefeitura de Porto Alegre. A obra foi
embargada pela justiça e uma audiência de conciliação ocorreu na tarde desta
quinta-feira (3). Não houve conciliação e a Prefeitura entrou com ação contra os
moradores.
Prefeitura entra com ação contra os moradores
“A juíza está favorável a Prefeitura e vamos seguir com o processo”, disse a
dona da casa atingida, Elma dos Santos Rodrigues. Segundo a assessoria de
imprensa do Tribunal de Justiça, que confirmou a falta de consenso entre as
partes, a decisão judicial poderá ser despachada pela juíza ainda nesta
quinta-feira (3), se for confirmado o caráter liminar da ação da Prefeitura. A
decisão de entrar com medida judicial para que os moradores deixem as casas onde
moram ocorre em menos de 24 horas após a plenária do OP, onde o prefeito José
Fortunati admitiu que “enquanto eu for prefeito, nenhuma pessoa será
despejada”.
Vereadores da oposição ao governo estão acompanhando as denúncias dos
moradores e a exceção do Pisa. “Estão sendo atingidas casas desde o ano passado.
Fizemos uma edição do Câmara na Comunidade na região e recebemos reclamações
sobre fissuras e abalos em função das obras”, relata a vereadora Sofia Cavedon
(PT), que esteve na plenária do OP.
Em pronunciamento na Câmara esta semana, a petista já levantava as queixas
sobre a falta de regularização fundiária no bairro Cristal. “As obras vêm
atropelando as vilas. Muitas famílias estão assustadas. Estamos medindo e
avaliando os riscos nas áreas de intervenção do Socioambiental. Existem inúmeros
problemas em decorrência desta falta de planejamento, como aumento da vazão da
água, bocas de bolo entupidas e um acúmulo de lixo. São problemas de toda
ordem”, acusa a parlamentar.
Os danos nas duas residências no bairro Cristal ocorreram após a prefeitura
mudar a rota das escavações no solo por debaixo das casas, chamada de Emissário
Subterrâneo, além de omitir e não comunicar a ação aos moradores. O prefeito
alega que nenhuma mudança no Pisa original foi feita pela atual administração.
“Não alteramos o projeto. No caso desta casa, que é uma casa, não mais de uma,
foi uma pedra que estava no caminho da máquina e era maior do que prevemos no
levantamento geológico”, falou, admitindo o erro de cálculo.
Fortunati defendeu que, as críticas em relação ao Pisa e as demais obras “que
vão mudar Porto Alegre” tem motivação eleitoral. “Conheço as lideranças e a quem
elas servem. Este morador atingido tem partido e por sinal é o mesmo dos
vereadores que estão criticando o programa. É um oportunismo eleitoral”, alegou.
Sobre o valor do aluguel social previsto pela prefeitura para as famílias
deixarem as casas antes da nova moradia estar pronta (R$ 52 mil), o prefeito
disse que é um valor acordado com a comunidade e suficiente para os gastos.
“Nós já apresentamos uma contraproposta de R$ 80 mil para poder achar alguma
casa na região e não sermos pulverizados em Porto Alegre. Foi na última
assembleia em fevereiro e não tivemos resposta”, alega o morador Valdir Bohn
Gass.
“Porto Alegre irá ficar bonita, mas para os gringos que vão passear aqui
verem. A Copa não é para pobre. Pessoas que vivem a 40 anos nos bairros estão
sendo atropeladas sem nem ter para onde ir. Já fechamos rua e se precisar vou
pegar um sofá e uma televisão e vou para a esquina democrática assistir a Copa
no relento, sem a minha moradia”, bravou a líder comunitária Noeli Ferreira.
http://sul21.com.br/jornal/2012/05/moradores-criticam-politica-habitacional-da-prefeitura-de-porto-alegre/
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