sábado, 26 de maio de 2012






DOCUMENTÁRIO FOCA DESPEJOS NA CAPITAL DOS MEGAEVENTOS

 Por Andrea Dip

"O que mais chocou foi a forma da execução dos despejos. Não houve qualquer proposta de alternativa para aqueles moradores" diz Vladimir Seixas sobre "Atrás da Porta"

 

O cineasta Vladimir Seixas produziu o documentário “Atrás da Porta” mais ou menos como vivem as pessoas que mostra em seu filme: sem qualquer tipo de apoio. Com uma câmera emprestada e um amigo fotógrafo, finalizou o belíssimo longa em 2010, após um ano acompanhando o sofrimento das famílias despejadas pelo poder público, todas do centro da cidade e a maioria na zona portuária; local em que se concentra o projeto de “revitalização” e do “Porto Maravilha”.
Na última semana, Estados integrantes do Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendaram ao Brasil que não permita que a preparação para os megaeventos de 2014 e 2016 resultem em  violações do direito à moradia ao provocarem remoções forçadas. Em seu blog, a relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada Raquel Rolnik lembra que há mais de um anomandou uma carta ao governo brasileiro sobre as denúncias que estava recebendo de pessoas e comunidades ameaçadas de remoção por conta de obras da Copa e das Olimpíadas e que até agora nada foi feito.
Em entrevista, Vladimir Seixas conta o que viu e ouviu na convivência com famílias que vivem esta realidade e dá sua avaliação sobre o cenário: ”A impressão que dá é que quando se fala em Copa e Olimpíadas tudo é permitido. Isso em nome de um legado para um bem maior. Mas olhem o caso do Jogos do Pan no Rio de Janeiro. O único legado foi uma rede de corrupção entre o poder público e empreiteiras que vem sendo recentemente noticiado. Os estádios do Pan não servirão para Copa. E os da Copa não servirão para as Olimpíadas”
Leia a entrevista e veja o filme na íntegra, no pé da matéria:
O que te levou a escolher este tema?
Ainda na Escola de Cinema (Darcy Ribeiro) realizei um curta chamado Hiato, em que mostrava uma manifestação em um grande Shopping de classe média alta aqui do Rio de Janeiro. Dentre os manifestantes estavam militantes do MST, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, estudantes e moradores de favela. Como o vídeo circulou e teve uma boa recepção por parte dos movimentos sociais, me perguntaram se gostaria de realizar gravações das próximas ações de ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto na cidade.
O vídeo “Hiato” pode ser assistido aqui
Como foi o trabalho de pesquisa? Você ficou com os personagens por quanto tempo?
As gravações foram intercaladas e duraram aproximadamente um ano; se totalizou 48 horas de material bruto. Muitas dessas gravações tratavam do sofrimento de famílias despejadas pelo poder público. Todas no centro da cidade e a maioria na zona portuária; local em que se concentra o projeto dito de “revitalização” e chamado de “Porto Maravilha”. A partir das filmagens fui decupando todo o material e encontrando um corte menor. Foi quando senti falta de uma interpretação crítica mais direta daqueles eventos que percebia nos próprios moradores. Então fui a quatro ocupações e conversei com alguns moradores e extraí um discurso mais conjuntural dessas mudanças urbanísticas em torno dos megaeventos. Posteriormente fui procurar os moradores que mais me aproximei nas filmagens, que são os da antiga ocupação Guerreiros do 510. E finalmente os defensores públicos que trabalharam naquela ocasião.
O que mais te chocou durante a produção do filme?
O que mais chocou foi a forma da execução dos despejos. Não houve qualquer proposta de alternativa de moradia para aqueles moradores. Foi utilizado caminhão de lixo para tirar os bens das pessoas e um aparato bélico por parte dos policias desproporcionalmente pensado. Quando se leva centenas de policiais com fuzis para despejar famílias extremamente pobres automaticamente se criminaliza esta condição material. E o indigno é hoje (dia 30 de maio de 2012) a maioria desses prédios, alguns estatais, estarem com paredes de alvenaria em sua entrada, completamente vazios, esperando uma valorização maior para venda.
Você acompanhou a questão do Porto Maravilha. De que forma você acha que a Copa e as Olimpíadas estão dificultando ainda mais a vida destas pessoas?
A Raquel Rolnik publicou em seu blog um levantamento que constata em que medida a Copa do Mundo e as Olimpíadas trouxeram prejuízo social pelos países que passaram. Esse levantamento realizado pela ONU destaca as milhares pessoas que perderam suas moradias e foram empurradas para regiões afastadas do centro da cidade. Para se ter idéia, em Pequim foram despejadas oficialmente 1 milhão e meio de pessoas. O quadro de todos esse países se repete aqui: expulsão depessoas das camadas mais pobres das regiões que se quer valorizar e elevado índice de especulação imobiliária. É triste ver uma celebração que aparentemente é tão bonita e teoricamente popular carregue essa base perversa para acontecer em todos os lugares que passa. O que os movimentos sociais estão tentando fazer é debater e seguir a pauta de luta pela moradia popular. Se quer que para cada 3 prédios empresariais e residenciais de classe média e alta da zona portuária, um seja destinado a moradia de famílias de 0 a 3 salários mínimos.
O levantamento pode ser lido aqui
Em determinado momento, você entrevista um defensor público que aponta vários erros graves na forma com que são feitas as desocupações, como a falta de notificação prévia, falta de justificativas, falta de acesso à defesa, violência etc. Você pôde constatar isso?
Sem dúvida. E muitos despejos são bem piores do que os que consegui mostrar no filme. Os defensores públicos do núcleo de Terras e Habitação lidam cotidianamente com isso. Muitas demolições para construir vias expressas. Imagina acordar uma bela manhã e ter sua casa grafitada com uma sigla; somente depois você vai descobrir que a casa onde vive há mais de 40 anos vai ser demolida. Muitas demolições estão tendo essa forma de notificação. A impressão que dá é que quando se fala em Copa e Olimpíadas tudo é permitido. Isso em nome de um legado para um bem maior. Mas olhem o caso do Jogos do Pan no Rio de Janeiro. O único legado foi uma rede de corrupção entre o poder público e empreiteiras que vem sendo recentemente noticiado. Os estádios do Pan não servirão para Copa. E os da Copa não servirão para as Olimpíadas. Estamos falando de um volume gigantesco de consumo de recursos que não visam a melhora da vida humana nem tratam ela como parâmetro. Por quê o Brasil é apontado como um país que não está fragilizado com a última grande crise mundial que se apresentou em 2008 e se intensificou nos últimos anos? Os Estados Unidos com suas bolhas de crédito, A União Europeia quebrando, a China desacelerando bruscamente, as revoluções e ocupações de 2011, e o Brasil inabalável. De onde vem essa força? Vem grande parte da agenda construída em relação ao consumo de recursos e capitais e pela nova rodada de crescimento que isso vai proporcionar. O que pode parecer positivo num primeiro momento deve entendido como crescimento de lucros e de capitais em detrimento da humanidade. Assim como foram as duas grandes guerras do século passado. Deu no que deu. Consumo da abundância, implícita da forma como o homem produz e crescimento da chamada força produtiva e fabricação e alargamento da miséria humana. Estamos nesse curso, mas não tenhamos dúvida que não será destinado ao povo o melhor que isso pode trazer e sim ao próprio capital em virtude de sua ampliação.
Na frente da câmera o trato era diferente? Ou houve violência também?
Houve sim violência e vemos no Atrás da porta. Mas aquela agressão física do desalojo se estende para a violência de ser expulso das regiões centrais da cidade que claramente trazem mais oportunidade de trabalho e melhores condições para criar uma família.
Você continuou o contato com estas comunidades ou algumas pessoas?
As pessoas que consegui contatar fui levar o DVD do filme, mas por exemplo o grupo da ocupação Guerreiros do 510 se perdeu enquanto coletivo. A ocupação Zumbi dos Palmares e Flor do asfalto foi desalojada depois da finalização do filme. O quadro é muito difícil.
Como você produziu o filme? Teve apoio? Ou foi totalmente independente?
Quando fiz as primeiras gravações não tinha nem câmera própria. Usei de um grande amigo. Me aproximei de um fotógrafo que morava em uma ocupação chamado Chapolim e tocamos com nossos próprios recursos. E isso de uma certa maneira está presente em todo o filme.
Pretende continuar trabalhando este tema?
Acho que pretendo continuar a trabalhar da mesma forma. Até mesmo sobre a questão do megaeventos há uma cobertura jornalística por parte da imprensa hegemônica. Mas vemos ali uma ou outra denúncia pontual com matérias que tendem ao consenso das melhorias maiores. Nos vídeos que experimentei fazer há presença de uma parcialidade pretendida. Há uma tentativa de encontrar imagens, mesmo que narrativas, que tragam uma violência. Que se comece a pensar depois dela. Foi o que tentei e quero continuar tentando.
No filme parece que, ao menos, os moradores estão mais conscientes dos direitos e brigam mais por eles. É isso mesmo? Você chegou a acompanhar alguma conquista?
A consciência dos direitos e a luta há. Mas a correlação de forças é desigual. O quadro local não é muito animador não. Mas o horizonte colocado pela conjuntura internacional dos últimos anos está aí e é amplo. Veremos quais serão os novos programas da humanidade. Alguns pensadores têm colocado que estamos num estágio decisivo, em uma transição profunda. E que a ligação de hegemonia mundial entre capitalismo e democracia está no seio dessa mudança. Cabe ao homem construir um estágio melhor da história de sua passagem nesse planeta. Mas no caso dos moradores pobres do centro do Rio de Janeiro tivemos grandes perdas. Mas algumas ocupações resistem e se fortalecem tanto politicamente quanto juridicamente. Como é o caso da Manuel Congo, Quilombo das Guerreiras e Chiquinha Gonzaga.
Quem está do lado destas pessoas? Há apoio de instituições/orgãos?
Absolutamente. Não há qualquer instituição ou órgão que não seja a defensoria pública ao lado dessas pessoas. Mas vemos no filme que do outro lado, para expulsar, no caso cerca de 80 pessoas de um prédio federal se destacou um quadro efetivo absurdo composto de Batalhão de Choque, Polícia Federal, Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro, Comlurb, Secretaria de ordem pública, policiais civis à paisana P2, Guarda Municipal, até o Comandante do Batalhão daquela região. Enfim.
 O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.


sexta-feira, 25 de maio de 2012


1,5 mil famílias podem ser despejadas em ocupação

Terreno pertence à Companhia Imobiliária de Brasília. Prazo estabelecido pela Justiça para a desocupação se encerrou no domingo (20)
25/05/2012
 Jorge Américo,
Continua sem desfecho o impasse envolvendo uma área pública equivalente a 35 lotes de terrenos urbanos, localizada na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal. O terreno pertence à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e está ocupado por cerca de 1,5 mil famílias, o que representa um total de 5 mil pessoas. A ocupação é chamada de "Novo Pinheirinho", em homenagem às famílias desalojadas em São José dos Campos (SP), no início do ano.
Depois de seguidas negociações com o Governo Distrital, o grupo decidiu permanecer no local. O prazo estabelecido pela Justiça para a desocupação se encerrou no último domingo (20), e uma reintegração de posse pode ocorrer a qualquer momento.
Para o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, não há como desmanchar o acampamento sem que haja uma “negociação razoável”.
“Se houver, por parte do Governo, uma iniciativa de mobilizar a força policial para tentar tirar as famílias à força de lá, sem que haja uma negociação habitacional que seja minimamente aceitável para essas famílias, nós vamos ter que resistir.”
O maior projeto realizado no programa de moradia oficial no DF, o “Morar Bem”, pretende atender 150 famílias. Boulos lembra que a demanda é dez vezes maior. Além disso, foi oferecida uma bolsa-aluguel, mas sem garantia de continuidade.
“A proposta inicial deles é dar um auxílio-aluguel emergencial para as famílias que se enquadram nos critérios de vulnerabilidade, segundo os critérios do Governo, o que daria algo em torno de 600 famílias. Mas o problema é que esse auxílio valeria por três meses e depois haveria uma rediscussão sobre a renovação.”

CARTA DA ASSOCIACAO DE MORADORES E PESCADORES DA VILA AUTÓDROMO (AMPVA) EM RESPOSTA AO JORNAL O GLOBO.

A Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo – AMPVA, CNPJ 30.122.410/001-76, situada na Avenida do Autódromo n. 16, baixada de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro, através de seu presidente Altair Guimarães, e os demais moradores (as), repudia a matéria veiculada no jornal O Globo publicada no dia 10 de maio de 2012, quinta-feira, no caderno Barra (n. 2.242).

A matéria, assinada por Leandra Lima, deturpa e distorce as informações cedidas gentilmente pelo presidente da AMPVA, bem como da moradora Sandra Isidoro. Altair Guimarães jamais disse que aceitariam ser transferidos para o Parque Carioca, muito menos, declarou que o problema nesse processo seria o “temor que residentes de outras comunidades também sejam transferidos” (p. 13) para lá. A remoção não é um caminho aceito pelos moradores do bairro, assim como nenhum deles disse que não pretendem dividir o espaço com moradores de outras comunidades. A edição do O Globo, não demonstra fidelidade às informações fornecidas por Altair Guimarães, utilizou o discurso da liderança de modo incorreto ao realizar comparações indevidas da Vila Autódromo com outras comunidades do Rio de Janeiro. Os moradores da Vila Autódromo são conhecidos por sua resistência e pelo respeito às comunidades menos favorecidas da cidade que, como eles, lutam pelos seus direitos.

Não existe, entre os moradores da Vila Autódromo, nenhum tipo de problema com relação aos moradores de outros bairros citados na reportagem já que muitos deles os frequentam pelo simples fato ser o endereço de seus familiares, como é o caso, por exemplo, da Cidade de Deus, Morro dos Macacos e Santa Cruz. E o presidente da AMPVA não considera, como a matéria leva a crer, que o tráfico de drogas ou milícia são consequências da falta de organização dos moradores dos outros bairros, pois estes também são vítimas dessa situação.

Além disso, a resistência dos moradores não se faz em função do limitado tamanho das moradias impostas pela Prefeitura no futuro condomínio Parque Carioca, como também consta na mesma matéria do jornal O Globo. O fato de permanecer no bairro articula a luta por direitos, a luta por participação das decisões sobre a organização dos espaços da cidade e, por fim, a luta pela afirmação da dignidade humana.

A matéria de Leandra Lima foi uma tentativa de diminuir a complexidade que incorpora a Vila Autódromo. A permanência na Vila Autódromo é legítima e uma luta que atravessa décadas. Ali se reivindica a permanência do bairro com a urbanização do lugar onde seus moradores pagam impostos, trabalham, se organizam, propõem e cobram do poder público.

Por isso, a AMPVA tem elaborado conjuntamente com o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual (ETTERN/IPPUR/UFRJ) o “Plano Popular da Vila Autódromo”, que propõe a urbanização como saída democrática e mais barata à remoção. O plano contem os seguintes projetos: habitacional, de educação, saneamento e meio ambiente, economia local, transporte e desenvolvimento cultural. Cabe lembrar que a equipe técnica do Plano Popular da Vila Autódromo, formado por especialistas do Núcleo Experimental do Planejamento Conflitual (ETTERN/IPPUR/UFRJ), garante o desenho urbanístico do bairro como ocupação consolidada, ao contrário do que indica a reportagem. Para a efetivação do citado Plano a pequena parcela dos moradores que moram na faixa de 15 metros da Lagoa de Jacarepaguá propuseram, eles próprios, a mudança de suas casas para outra região do bairro.

Os moradores da comunidade não são contra a realização da Copa e das Olimpíadas, só reivindicam o direito de continuarem morando no lugar onde construíram suas histórias e seus vínculos afetivos.

A Vila Autódromo é um bairro marcado para Viver!
Viva a Vila Autódromo!

ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E PESCADORES DA VILA AUTODROMO – AMPVA.

Rio de Janeiro, 16 de maio de 2012.



Fonte: https://www.facebook.com/vivaavilaautodromo

quinta-feira, 24 de maio de 2012



Manifesto contra a postura do Ministério das Cidades nas remoções em todo o Brasil

“A preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 tem motivado a realização de vultuosos investimentos em obras de infraestrutura e projetos de renovação e reestruturação urbanas das cidades-sede. O Rio de Janeiro, cidade que sediará ambos os megaeventos, já possui vários desses projetos em andamento. A requalificação urbana de algumas regiões da cidade somada à pressão para cumprir parâmetros nunca publicizados pelos comitês organizadores, tem demandado a remoção de milhares de famílias de baixa renda e até de classe média, promovendo segregação e expulsando-as para regiões periféricas da cidade.
Em completa falta de compromisso com a melhoria das condições de vida da população residente nas áreas-objeto das intervenções, recursos públicos são investidos em intervenções urbanas que acarretam a remoção de moradores de áreas ou de imóveis que, posteriormente, serão utilizados para beneficiar uma população com perfil sócio-econômico superior à faixa de renda das famílias originais. São vários os exemplos de empreendimentos que visam substituir pobres por ricos em áreas valorizadas pelo capital imobiliário, seja pelo viés habitacional, ou pela valorização da área para incentivar o turismo.
Numerosas denúncias apontam para o caráter de exceção assumido pelas remoções, que aproveitam-se ora das lacunas legais, ora da sobreposição de normativas para regular uma mesma situação, de forma diferente – com o beneplácito de um Poder Judiciário autoritário, insensível e desatualizado. Assim são negados direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e um sem-número de tratados internacionais. Leis consolidadas e debatidas em sociedade dão lugar a decretos e portarias, atos do poder executivo emitidos sem nenhum processo participativo prévio ou preocupação com a população afetada.
Nesse contexto, surge a proposta de portaria do Ministério das Cidades, que visa regulamentar a garantia do direito à moradia e à cidade às pessoas afetadas pela “necessidade de deslocamento involuntário” provocado pela execução de “obras e serviços de engenharia em intervenções sob gestão do Ministério das Cidades”.
A portaria veio a reboque do falacioso e polêmico Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários, promovido pelo Ministério das Cidades e o Banco Mundial, em Brasília, em março deste ano. Contando apenas agentes de governo e técnicos do Banco Mundial, o evento consagrou uma perspectiva conformista ao considerar os chamados “deslocamentos involuntários” inevitáveis ou justificáveis, omitindo o seu caráter seletivo, voltado para populações e grupos sociais pobres e vulneráveis. O evento ignorou a participação dos principais sujeitos dos conflitos e as sucessivas ilegalidades que permeiam as remoções forçadas associadas à realização dos megaeventos esportivos. Tudo registrado na Nota Pública de Repúdio à realização do Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários, a qual foi subscrita por diversas entidades da sociedade civil organizada.
Na conjuntura atual das remoções, em que nenhum dispositivo constitucional é respeitado, o processo de consulta pública e a portaria parecem mais uma forma de tentar legitimar as práticas de exceção já em curso em razão dos projetos de desenvolvimento. Uma matéria de tão alta complexidade não pode ser tratada por uma normativa de discutível eficácia jurídica, cujo poder de regulamentação se restringe a projetos sob gestão de um Ministério das Cidades que vem sistematicamente se omitindo perante os inúmeros e trágicos conflitos promovidos por prefeituras e governos estaduais, muitas vezes em seu nome ou com o seu respaldo.
No Rio de Janeiro, os projetos que causam os maiores impactos de remoção estão fora desta alçada e, quando chamado às falas, o MCidades transferiu a responsabilidade para os governos locais. Para além das diversas obras e intervenções, existe a remoção de famílias nas áreas rurais atingidas pelo Porto do Açu, a eterna ameaça aos quilombos da Pedra do Sal, Sacopã e Marambaia, além de remoções diversas sob o argumento de um risco ambiental sempre suposto e afirmado através de laudos e pareceres de questionável acuidade técnica e totalmente apócrifos quanto à responsabilidade profissional.
Não resta dúvida que o Brasil reatualiza sua tradição de desenvolvimento desigual com a sofisticação de trocar os nomes, mas não as práticas. No lugar das remoções forçadas temos, agora, o discurso oficial dos “deslocamentos involuntários”. Não se trata de simples deslocamento semântico e, sim, da disputa pela produção de sentido e de ideologia do que seja desenvolvimento e os seus custos sociais.
Com relação à “consulta pública” em si, aberta com um prazo restrito e pouco razoável, ela não possibilita uma discussão mais aprofundada sobre a natureza e os procedimentos, a tomada de decisão sobre quem deve ser removido e como se evitar as remoções. Consolida-se, assim, um déficit de democracia na gestão do espaço urbano já que além de impossibilitar a realização de debates mais de fundo, tal formato de consulta inviabiliza uma discussão ampla com a população. Este formato não abre nenhuma possibilidade de dialogar sobre alternativas aos projetos e às próprias remoções.
O mais perigoso desta portaria é que ela cria uma distorção na alocação de recursos públicos do Ministério das Cidades que, ao invés de servir para fins de combate ao déficit habitacional, colaboram para aumentá-lo.
Uma consulta pública só tem sentido se acompanhada de articulação política prévia, entre os diversos atores sociais (comunidade, acadêmicos, movimentos sociais) e poder real de decisão sobre as arbitrariedades cometidas até agora e em vias de ocorrer novamente. Os reassentamentos de famílias tem que ser discutidos com a população ao longo de todo o processo (antes, durante e depois dos projetos). Não podemos repetir o engodo da “Comissão de Mediação” criada pela SMH carioca, onde os conflitos eram tratados como mero procedimento burocrático e tentativa de “minorar os danos inevitáveis” das remoções que estavam ocorrendo das formas mais violentas e desumanas.
O princípio da não-remoção está expresso na Lei Orgânica do município do Rio de Janeiro, assim como o direito à moradia e à cidade estão garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil. Não precisamos de leis de exceção, não precisamos de regulações ineficazes. Queremos simplesmente que nossos direitos sejam respeitados.
É preciso parar de reduzir danos! Uma portaria é muito pouco para garantir o direito à Cidade! Precisamos de um espaço de diálogo que não seja fajuto e que não confira uma aura democrática a uma série de violências empreendidas pelo Estado. Investigação já sobre os crimes cometidos por Prefeituras e Governos Estaduais nas remoções urbanas e rurais! Por um Ministério das Cidades comprometido com a Reforma Urbana e não com a especulação imobiliária e o desenvolvimento predatório e irresponsável!
Não às remoções! Pelo direito à moradia e à cidade!”
Movimentos e entidades que subscrevem esse manifesto:
Fórum Comunitário do Porto (Rio de Janeiro)
Fórum Justiça – Rio de Janeiro
Mandato Vereador Eliomar Coelho (Rio de Janeiro)
FASE – Rio de Janeiro
Coletivo Favela Não se Cala – Rio de Janeiro
Programa de Estudos de Trabalho e Política – Faculdade de Serviço Social/UERJ – Rio de Janeiro

sexta-feira, 18 de maio de 2012


Sem-teto protestam contra reintegrações de posse em São Paulo

Se a prefeitura cumprir as determinações judiciais, mais de 2 mil pessoas serão despejadas
 18/05/2012
José Neto,
de São Paulo
Protesto em frente ao Fórum - Foto: FLM
Cerca de 800 moradores de quatro prédios ocupados fizeram na tarde desta quinta-feira (17) uma manifestação em frente ao Fórum João Mendes, na região da Sé, no centro da capital paulista. O protesto foi realizado contra as ordens de reintegração de posse, emitidas pela Justiça, dos quatro prédios em que residem 560 famílias.
Os prédios das avenidas Ipiranga e Rio Branco estão ocupados há sete meses, o da avenida São João há um ano e sete meses e o da rua Mauá há cinco anos. “Pela lei, os moradores da Mauá já teriam direito a uso capião do imóvel, mas o proprietário, uma semana antes de completar os cinco anos, entrou com mandado de reintegração de posse”, explica o coordenador da Frente de Luta Por Moradia (FLM), Osmar Silva Borges.
O prédio da rua Mauá está abandonado há mais de 15 anos. Os proprietários Mendel Zyngier, Sara Zyngier e Abram Sznifer devem para o cofre público mais de R$ 2 milhões de IPTU, segundo os coordenadores da FLM. Mesmo assim, em reunião sobre o processo de reintegração de posse realizada na última segunda-feira (14), a Polícia Militar (PM) disse aos moradores e coordenadores presentes que fará a reintegração na data definida pela Justiça e deseja que ela seja “pacífica”.
De acordo com a coordenadora geral do Movimento Sem-Teto por Reforma Urbana (MSTRU) Antônia Ferreira, houve durante a reunião um pedido para adiar por dois meses a reintegração, mas foi negado pelo juiz. “A qualquer momento o pessoal pode ser despejado. Eles não podem pagar aluguel, pois ganham no máximo dois salários mínimos. Se o aluguel na periferia já está por volta de R$ 500,00, imagine no centro. Portanto, não existe a possibilidade desse pessoal adquirir um imóvel no Centro alugado. Ou eles comem, ou pagam o aluguel.”
Ainda segundo Antônia, que também é coordenadora da ocupação da avenida São João, o imóvel está há 20 anos abandonado e não pode ser reintegrado por não ter cumprido a função social. “A gente sempre pergunta por qual razão esse prédio estava vazio há tanto tempo, e por que as pessoas não podem morar nele, sendo que estão cumprindo a função social [...] A partir do momento que você tem uma propriedade e deixa ela vazia, você não é mais dono”, defende.

Osmar Borges lê carta ao Judiciário - Foto: FLM
Ao todo, caso venham a ocorrer, as reintegrações de posse irão atingir mais de 2 mil pessoas, entre adultos, jovens, idosos e mais de 250 crianças. “A saída [das famílias] é muito mais política do que judicial. O judicial cumpre um rito em que vai numa sequência de atos até conceder a sentença e mandar reintegrar. O governo pode interromper, na medida em que quiser negociar. Ter uma saída negociável, isso pode acontecer, e é a perspectiva que nós temos no momento,” ressalta Borges.
Está marcada para esta sexta-feira (18) uma reunião com os moradores da Ocupação Ipiranga com a PM para que seja definido um prazo para a reintegração de posse. Os moradores da avenida Rio Branco, por sua vez, conseguiram um prazo de três meses para que a reintegração seja feita.

http://www.brasildefato.com.br/node/9601

quarta-feira, 16 de maio de 2012


Habitação: especulação e moradia

Grandes obras de planejamento urbano destituídas de uma política fundiária para conter a especulação imobiliária resultam na expulsão dos mais pobres. “Projetos urbanos, projetos viários e crescimento que, em tese, seriam positivos, têm como conseqüência a expulsão dos mais pobres, não somente por via direta (como remoções de ocupação), mas também indireta, (preços e custo de vida)”, diz Nabil Bonduki, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.

São Paulo - O crescimento acelerado da economia e os investimentos feitos na área imobiliária, inclusive os feitos pelo governo federal para as classes de menor renda, tiveram também seu efeito colateral, segundo análise do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Nabil Georges Bonduki, professor-doutor em assuntos de Habitação Urbana pela FAU-USP: uma alta valorização da terra urbana, que acabam provocando uma forte especulação imobiliária e anulando os efeitos de políticas habitacionais para a população de baixa renda.

“O país voltou a crescer, voltou a investir em áreas importantes, transporte e outras coisas, inclusive habitação. Urbanização das favelas é um bom exemplo. O que acabou acontecendo, no entanto, foi uma valorização exagerada da terra e as políticas habitacionais, embora com recursos, acabaram por não responder as necessidades”, afirma Bonduki.

Grandes obras de planejamento urbano destituídas de uma política fundiária para conter a especulação imobiliária resultam na expulsão dos mais pobres. “Projetos urbanos, projetos viários e crescimento que, em tese, seriam positivos, têm como conseqüência a expulsão dos mais pobres, não somente por via direta (como remoções de ocupação), mas também indireta, (preços e custo de vida)”, diz Nabil Bonduki. “A procura de terras por pessoas de renda mais alta, criou uma dificuldade de atender a demanda popular”, conclui.

Acontecimentos como os incêndios de favelas em São Paulo são colocados pelo professor como resultado de uma disputa por terras no mercado imobiliário. “O problema de habitação na cidade de São Paulo se agrava por conta do tamanho da cidade e indisponibilidade de terra, sem contar superaquecimento do mercado imobiliário”, afirma. Programas federais acabam não respondendo ao déficit habitacional específico da maior capital do país, pois a cidade convive com particularidades que devem ser levadas em consideração na procura de saídas.

“Por exemplo, o programa Minha Casa, Minha Vida, em outras cidades, acaba localizando os conjuntos na periferia; em São Paulo, isso fica mais difícil. Aqui tem o problema dos mananciais, das grandes distâncias e de uma disputa da terra para habitação da periferia com condomínios fechados”.

Frente às especificidades da cidade, o governo tucano não tomou medidas de política urbana. Seria fundamental, na opinião de Bonduki, a participação municipal para a regulamentação do uso do solo paulistano. “No fundo, quando falamos política fundiária, claro que o governo federal tem um papel, mas o principal é o município, é ele quem regulamenta o uso do solo da cidade”

Na cidade de São Paulo, a partir de 2005, a gestão tucana retrocedeu em relação a certos avanços na área da Habitação obtidos em administrações anteriores, como, por exemplo, no Programa de Reabilitação da Área Central, coerente com o então Plano Diretor Estratégico. O Conselho Municipal de Habitação, instituído por lei de 2002, da administração Marta Suplicy, perdeu sua eficácia quando o governo do PSDB conseguiu maioria de seus integrantes.

“De uma maneira geral, eu diria que ele [Conselho] está esvaziado como fórum de decisão, nada efetivamente importante passa por ele. Isto faz com que o Conselho deixe de ser um espaço de controle social e participação” critica Bonduki. Já em relação ao Plano Diretor Estratégico, o professor faz fortes críticas ao atual governo municipal, “muitos instrumentos que o PDE previa não foram implementados.”

As secretarias de Habitação e Planejamento são fundamentais para efetivação de um projeto inteligente de habitação que, segundo o professor, “poderiam, de maneira mais forte, ter implementado os instrumentos urbanísticos. O IPTU progressivo para os terrenos vazios demorou, foi alcançado pela Câmara e não pelo Executivo, e ainda restrito só a Área Central”. Ele ainda alerta que houve mudanças substanciais na conjuntura que devem fazer rever o projeto: “Este quadro novo, de mais investimentos gerais na cidade, em habitação, financiamento, é um quadro muito diferente do de 2002, quando foi feito o PDE. O programa deve ser aprofundado naquilo que propôs: em regras pra conter a valorização das terras da cidade e pensar as leis em função do processo de investimentos que serão feitos agora na cidade”.

O professor pensa em uma contabilização conjunta nos orçamentos de obras que se levantam na cidade paulistana. “É necessário um plano de orçamento em Habitação da própria obra”. Com o crescente investimento em grandes obras na cidade, o professor sugere um cálculo previsto para atender às demandas de habitação, crucial para que o avanço e melhoria do espaço urbano, não seja um fator para expulsão dos mais pobres.

O problema da especulação acontece à revelia da vontade pública, mas é na vontade pública e no seu plano de governo que reside mecanismos de regulação e controle do valor abusivo do solo paulistano, concluiu o urbanista.


Fotos: Juvenal Pereira/Agência Câmara 

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19614


Um ano de remoção da Vila do Chocolatão: o que há para comemorar?



No dia 12 de maio completamos um ano da remoção da Vila do Chocolatão. As pessoas que moravam nessa comunidade – antigamente situada na região central de Porto Alegre, ao lado do Parque Harmonia – foram removidas, sendo parte delas realocada para um assentamento popular na Av. Protásio Alves, 9099. Um ano depois da remoção: o que há para comemorar?

Como era a Vila do Chocolatão?

A Vila do Chocolatão era uma pequena comunidade com cerca de 225 famílias que situava-se ao lado do Parque Harmonia e nos fundos dos prédios da Justiça Federal. Tinha como fonte principal de renda a catação, triagem e reciclagem do lixo produzido nos prédios da Justiça Federal e na região central de Porto Alegre. Projetos de saneamento, eletricidade ou água encanada não existiam, mas os moradores tinham acesso a escolas e postos de saúde.

O terreno, diziam, era da União e no dia 14 de janeiro de 2000 essa distribuiu Ação Reivindicatória[1], pedindo tanto a retirada imediata das pessoas daquela comunidade, quanto a indenização pela “ocupação ilícita”. A decisão, proferida por juízo federal, ordenou a retirada da comunidade e deu início a um processo público que durou mais de dez anos e culminou com a retirada das pessoas daquele terreno em 12 de maio de 2011.

Para onde foram com a Vila do Chocolatão?

Durante a construção do projeto, houve a criação de uma Rede de Cooperação para auxiliar no processo de remoção, tendo como participantes membros do Departamento Municipal de Habitação, da Secretária de Governança Local, de diferentes ONG’s, do Ministério Público Federal, o Tribunal Regional Federal da 4a Região e de alguns/mas moradores da comunidade. Contudo, a participação popular nessas reuniões ficou restrita aos olhares de membros da prefeitura, que muito mais intervinham e impunham sua opinião do que efetivamente ouviam e acolhiam as sugestões da comunidade. Ou seja, a esses/as moradores/as não lhes foi perguntado se efetivamente queriam sair de onde estavam, e, nem ao menos o que desejavam da nova moradia que lhes esperava.

Com a remoção da comunidade, muitas pessoas que moravam no centro não puderam mudar-se para a Nova Chocolatão. Isso porque o projeto realizado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre -e de acordo com o Termo de Compromisso firmado por essa perante o MPF- não contemplava as famílias que vivessem na Vila há menos de um ano e um dia. Assim, muitos/as moradores/as tiveram que abandonar suas casas, seus parentes, seus amigos/as e sua comunidade, tendo de submeter-se ao auxílio do aluguel social, que, no entanto, durou apenas seis meses. Hoje, ao caminharmos pelas ruas de Porto Alegre encontramos, facilmente, antigos/as moradores/as vivendo na rua. 

Habitação não é só casa, não!

Conforme o ensinamento da arquiteta Raquel Rolnik[2], um projeto de habitação não pode ser confundido com a entrega de casas. Habitação significa além de uma casa digna, acesso a serviços públicos que efetivem os direitos fundamentais. Deve também permitir que as pessoas sejam protagonistas no seu futuro, não sendo jogadas de um lado a outro da cidade, conforme o interesse do poder público.

Não é isso que vemos no processo de remoção da Vila do Chocolatão. A região do bairro Mário Quintana para onde foi realocada parte da comunidade, conforme laudo técnico elaborado pela seccional porto-alegrense da Associação de Geógrafos do Brasil[3] ao lado do GAJUP/SAJU-UFRGS, não contém equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social em quantidade suficiente para atender as demandas da comunidade.

Em vista do despreparo da prefeitura para essa remoção, o Laudo também evidencia: desemprego. O trabalho dos recicladores da antiga Vila Chocolatão que era realizado no centro da cidade, não pode mais ser feito no local, pois naquela área a quantidade de lixo é menor, Hoje, a Comunidade possui um galpão de reciclagem, onde trabalham de 30 ou 40 pessoas associadas, cujo trabalho é igualmente árduo e a cada quinzena tem um pequena renda a ser dividida entre muitos trabalhadores.




Mas o que há para comemorar nesse aniversário de um ano? 

A remoção da Chocolatão obteve vários avanços em relação a outras, a destinação de casas para uma parte dos moradores da comunidade, a construção de um galpão de reciclagem e de uma creche no novo assentamento são conquistas da comunidade.

Mas não podemos fechar os olhos e acreditar que esse projeto é um modelo a ser seguido. É inadmissível que o projeto tenha sido elaborado sem a participação popular, que parte da comunidade tenha sido simplesmente colocada na rua, que não tenha sido garantido o acesso aos equipamentos públicos necessários para a garantia dos direitos fundamentais Por tudo isso, continuamos lutando!

[1] Ação de imissão na posse Nº 2000.71.00.000973-1, Justiça Federal (RS).
[2]  ROLNIK, Raquel. “Moradia e direito à dignidade”. Disponível em: www.metodista.br/cidadania/numero-35/moradia-direito-a-dignidade (visitado dia 11 de maio de 2012)
[3] Associação de Geógrafos do Brasil (AGB). Disponível em: viladochocolatao.blogspot.com (visitado dia 11 de maio de 2012)


A Vila Chocolatão e o exemplo negativo



Thiago Calsa Nunes

A vila localizada no centro de Porto Alegre, identificada pelo nome de Chocolatão devido ao prédio vizinho da Receita Federal, foi extinta no último mês de maio. Por sua grande visibilidade social, sob os olhares dos prédios da Justiça Federal e Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a comunidade que foi uma das precursoras na movimentação para ocupação popular de áreas urbanas para moradia se tornou alvo para servir de propaganda a interesses políticos.
Desde o ano de 2009 atua na vila o Grupo de Assessoria Justiça Popular, integrante do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS, buscando através da educação popular articular soluções para a vida dos moradores, habitando o lugar em precárias condições, servindo de testemunho da luta do povo do Chocolatão. Contudo, uma outra articulação do poder público capitaneada pela Prefeitura de Porto Alegre também atuou de forma a evitar qualquer realização para a vila que não tivesse seu objetivo traçado: Remover a comunidade e fazê-la um exemplo para outras remoções. Desta forma, como se poderá ver, a preocupação com os moradores em si sempre foi secundária.
A situação da vila
A Vila Chocolatão é composta em grande maioria por catadores e recicladores de materiais descartados, os quais são coletados nas ruas do centro da cidade. No entanto, o projeto da Prefeitura indicava uma nova área para a comunidade, que se daria no endereço Avenida Protásio Alves, 9.990, a mais de 10 quilômetros desta área central, o que de início caberia a pergunta: Sendo esta a principal fonte de renda dos moradores, eles não ficariam privados desta atividade na área destinada para a realocação? A resposta é sim, e nisto reside a base de vários dos problemas da comunidade.
No seu trabalho, o GAJUP identificou três focos principais de atuação necessários à comunidade: (1) Moradia, dadas as condições precárias que se encontravam as casas das mais de 240 famílias da vila; (2) Geração de renda, visto que se poderiam pensar outros modos de organização que otimizassem a reciclagem de lixo e outras formas de renda; e (3) Representatividade, visto que havia uma premente necessidade de reorganizar uma associação de moradores e organizações que pudessem dar voz ao conjunto dos moradores.
Desta forma, foram organizadas assembléias e eleições para estruturação de uma associação de catadores e uma associação de moradores, além de debater a questão da moradia entendendo-se a outros fatores que não fossem só relativos a ter uma casa, mas aspectos como acesso à saúde e à educação. Esta estrutura da comunidade era algo necessário que independia de qual a sua localização geográfica, se no centro ou em outra região. Contudo, no projeto de realocação da prefeitura, se configuraram em questões secundárias. O mais urgente, seguindo o padrão das obras na cidade para a Copa do Mundo, era remover a comunidade, fosse como fosse. Se atendesse os direitos humanos, melhor.
Remoção da comunidade
Para denunciar estes aspectos não contemplados pelo projeto de realocação da Prefeitura, no final do ano passado o GAJUP contribuiu para a elaboração de um laudo técnico assinado pela Associação Brasileira de Geógrafos (AGB), que apontava três eixos principais de críticas ao projeto: (1) A realocação não contemplava a todas as famílais, de modo que só havia 181 casas para as 240 famílias da comunidade; (2) A realocação previa um projeto insuficiente para geração de renda, com a construção de um galpão de reciclagem com lixo a ser entregue pelo DMLU, que não atenderia a maior parte dos moradores (sendo esta a única possibilidade de trabalho na nova área sem depender de transporte); e (3) a realocação retirava os moradores do centro para residirem em uma área onde não se tem acesso suficiente aos serviços públicos, como escolas e postos de saúde, o que havia no centro e atendia a comunidade.
Mesmo com a intervenção do Ministério Público Federal e a tentativa de aplacar estas críticas, a realidade é que havia urgência para o poder público em remover a vila, aproveitando a sua ainda precária organização comunitária que poderia lhe dar voz efetiva no processo. Seduzindo lideranças com vantagens específicas, em maio se iniciou a destruição das casas, transferindo os moradores para a nova área, onde receberiam por três meses o auxílio de cestas básicas.
A mídia e o Residencial Nova Chocolatão
Como previsto, a remoção se tornou em uma vedete da Prefeitura, rendendo comerciais na televisão e propaganda ostensiva em jornais como Zero Hora e Diário Gaúcho (o site ClicRBS desponibilizou aos seus usuários um recurso tecnológico de gosto duvidoso, onde se poderia acompanhar com música clássica a destruição das casas), manipulando fatos e intentando fazer uso político dos acontecimentos. O “Residencial Nova Chocolatão” se mostra assim um sonho para os moradores que agora possuem uma casa em condições muito melhores que na velha Chocolatão, servindo de modelo e exemplo para outras remoções. Consome-se, assim, a chamada “higienização” urbana das áreas centrais. O pobre destina-se a trabalhar com o lixo nas periferias da cidade.
Apesar das profecias, pouco ilógicas, de que ao final do subsídio de cestas básicas oferecido às famílias nos três primeiros meses haverá uma série de problemas na nova comunidade, a verdade é que estes problemas – conforme previsto pelo laudo técnico da AGB – já acontecem. Há desemprego, visto que as pessoas não conseguem manter a atividade de catador, tampouco desempenhar outra função. Faltam escolas e creches, sendo que crianças estão sem aulas. Há “especulação imobiliária” sendo que as novas casas populares são vendidas e negociadas entre os moradores, que buscam retornar às áreas centrais. Famílias antes residentes na Chocolatão, porém “excedentes” no projeto da prefeitura, agora são encontradas em ruas do Centro e da Cidade Baixa, sem nenhuma moradia e lutando pela sobrevivência.
Em resumo, os problemas sociais persistem e as críticas previstas ao projeto, embora praticamente ignorados pela prefeitura, se consomem e tendem a piorar a situação social – a despeito do que se assiste em propagandas do horário nobre da televisão gaúcha.
Por que então a necessidade urgente de realocação e tão pouco esforço para garantir uma vida digna onde moravam? É preciso estar longe do centro para que se façam medidas sociais, para impedir que pessoas pobres saiam da periferia? Entre vários motivos que poderiam ser apontados pelos responsáveis da realocação da comunidade, depois de expostos alguns, podemos nos atrever a dizer que um motivo forte é de que a Vila Chocolatão, onde estava localizada, tinha uma característica marcante: Sendo pobre, era feia.
Para os olhares dos funcionários públicos dos modernos prédios da justiça ao redor, a vista das casas pobres das famílias do Chocolatão era algo insuperável, que deveria ser afastado deste centro de decisões jurídicas. O jornal A Toga, sendo produzido pelos estudantes de Direito da UFRGS, traz, portanto, a reflexão: Antes de querermos mudar o que nos aparece frente aos olhos, será que não é necessário que tentemos modificar o nosso olhar?

Destruição de uma comunidade
Thiago Calsa Nunes
Mais, ô mon couer, entends le chant des matelot!
Stephan Mallarmé
Acato, aceito
Armas não é preciso
Para fazer entender
A Lei, a Ordem, o Progresso

O trator vem e desmonta
Tentativas de lembrança, possibilidades de família, o nome dos vizinhos
Destrói
Times de futebol com goleiro e zaga, discos de vinil e outros
Destroça
Fitas-cassete gravadas de momentos, brinquedos de criança mantidos pelo tempo em gerações

Transforma a escavadeira
Uma manhã de sábado em noite de quarta ou terça
Na guerra - barulhos de destruição
Alternando-se a sussurros
Silêncios que sucedem profundas destruições
E somente. Sem nada. Sem ninguém.

Rompem-se os fios elétricos de luz
E estouram todos os encanamentos
Sedimentos dessa ordem antiga
A inundar e formar um novo rio

Viajo por este mar
De restos da renovação industrial
Vendendo produtos fósseis de sentimentos
Fragmentados, partes incompletas
O que sobrou
Canções de marinheiros em naufrágio




Do blog Assessoria Jurídica Popular .