sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Os Megaeventos Esportivos e o Direito à Cidade: uma agenda para o Conselho das Cidades

Megaeventos | agenda p/ o Conselho das Cidades
Orlando Alves dos Santos Junior
Professor do IPPUR/UFRJ
Membro do Conselho das Cidades (ANPUR – segmento entidades acadêmicas e profissionais)
Relator Nacional do Direito à Cidade – Plataforma Dhesca
Integrante da Rede Observatório das Metrópoles

Exposição proferida no Conselho das Cidades, no dia 07 de dezembro de 2011, em Brasília.

Essa exposição, dividida em cinco pontos centrais, está baseada fundamentalmente em dois subsídios:

Primeiro, a pesquisa nacional desenvolvida pela Rede Observatório das Metrópoles, denominada “Metropolização e Megaeventos Esportivos: os impactos da Copa 2014 e Olimpíadas 2016”, financiada pela FINEP, que tem por objetivo analisar os impactos das intervenções urbanas em todas as cidades-sedes vinculadas a esses dois eventos.

Segundo, a experiência da Missão da Relatoria do Direito à Cidade, ligada a plataforma brasileira de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Na condição de relator nacional, realizamos essa missão no primeiro semestre de 2011, em torno das denúncias de remoções que estavam e continuam acontecendo no Rio de Janeiro, em decorrência das intervenções vinculadas à Copa do Mundo e das Olimpíadas. Durante a missão, foram visitadas diversas comunidades e realizadas diversas audiências em torno dos processos de remoções relacionadas às intervenções urbanas na cidade do Rio de Janeiro, vinculadas à Copa do Mundo 2014 e às Olimpíadas 2016.

O objetivo dessa exposição é apresentar algumas reflexões sobre o processo de intervenção urbana vinculado à Copa do Mundo, tendo em vista o seu caráter nacional (portanto, apesar da sua importância as Olimpíadas não serão objeto da minha intervenção), e levantar temas e questões visando à constituição de uma agenda de trabalho para o Conselho das Cidades.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o Conselho das Cidades está fazendo essa discussão tardiamente, tendo em vista que os projetos de intervenção nas cidades-sedes da Copa estão definidos e muitas das intervenções estão em curso. No entanto, apesar do atraso, essa discussão é estratégica e ainda há tempo de intervir, tendo em vista que grande parte dos projetos ainda não estão detalhados, a maior parte dos editais ainda não foi lançado, e muitas obras ainda não começaram.

Cabe chamar atenção que o projeto da Copa se relaciona diretamente com a política urbana em, pelo menos, três aspectos: (i) mobilidade urbana – ou seja, as intervenções vinculadas à mobilidade urbana; (ii) planejamento e gestão do solo – relacionado à re-estruturação urbana e os processos de valorização imobiliária decorrente das intervenções urbanas; (iii) moradia – sobretudo no que se refere às remoções decorrentes das intervenções urbana. Em outras palavras, o projeto da Copa é do interesse de todo o Conselho das Cidades e exige uma discussão coletiva que envolva o conjunto dos comitês técnicos, ou pelo menos os comitês de mobilidade, planejamento e gestão do uso do solo e habitação.

Por fim, apesar de não ser objeto da minha reflexão, também é fundamental sublinhar a importância da temática do esporte, tendo em vista que 25% dos recursos estão sendo investidos na construção ou reforma dos estádios – cabe lembrar que, excetuando o estádio Beira Rio, todos os demais estádios estão sendo reformados ou construídos utilizando financiamento público ligado ao BNDES. E que grande parte desses estádios estão sendo reformados através de contrato de parceria público-privada. Tudo indica que estamos diante da reconfiguração das práticas vinculadas aos esportes com estádios menores, elitização do público, estágios multifuncionais para recepção de megaeventos, e legitimação simbólica da reconfiguração urbana.

A reflexão em torno dos impactos dos megaeventos parte da hipótese geral de emergência de um novo padrão de governança urbana nas metrópoles brasileiras, caracterizado pelo que a literatura vem denominando empreendedorismo empresarial neoliberal. De uma forma esquemática, pode-se dizer que nesse padrão de governança o poder público assume como responsabilidade central a criação de um ambiente favorável aos negócios, no qual os grandes empreendimentos, os megaeventos e o marketing urbano teriam uma importância central nas estratégias de inserção econômica global, e na qual as parcerias entre os setores público e privado (PPPs) seriam uma das principais estratégias de promoção de serviços urbanos. Essa governança empreendedorista empresarial seria sustentada pela conformação de uma nova coalizão político-social – expressando uma aliança entre agentes econômicos e políticos e frações de classes sociais específicas, dependendo do contexto social de cada cidade. A noção de governança urbana aqui se refere às formas de interação entre governo e sociedade, ou mais precisamente, entre governo, mercado e sociedade.

Buscando contribuir para uma compreensão crítica das transformações urbanas em curso, a exposição está organizada em quatro pontos.

1. O projeto da Copa e o Processo de Reestruturação Urbana das Metrópoles Brasileiras

Os investimentos previstos para a Copa do Mundo de 2014 indicam que estamos diante de intervenções urbanas de grande magnitude, com grande impacto sobre a dinâmica urbana de todas as cidades-sedes. De fato, a maior parte dos recursos está alocada em mobilidade urbana, que representa cerca de 49% do total de investimentos. Do restante dos investimentos, aproximadamente 25% estão alocados na ampliação ou reforma da infraestrutura dos aeroportos e portos, e outros 25% na reforma ou construção dos estádios de futebol. Por fim, pouco mais de 1% dos investimentos está alocado em turismo e segurança.

Em síntese, a importância da Copa do Mundo parece estar menos ligada à realização de um evento em si mesmo (a Copa, as Olimpíadas), e mais ao processo de reestruturação da dinâmica urbana nas metrópoles brasileiras, legitimada e possibilitada pela realização desses megaeventos.

Sob o ponto de vista dos investimentos, pode-se dizer que a realização da Copa do Mundo 2014 (bem como das Olimpíadas 2016) tem como agente econômico protagonista o poder público, responsável ou pelos investimentos diretos ou pelo financiamento das intervenções vinculadas a esses megaeventos.

Tomando como referência a Copa do Mundo de Futebol, estão previstos pouco mais de R$ 17 bilhões entre financiamentos e investimentos, só do governo federal. Somando os recursos dos governos federal, estaduais e municipais, estão previstos mais de R$ 25 bilhões. Nesse ponto, cabe registrar que a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são as duas principais instituições de financiamento do projeto (com aportes de recursos da ordem de 6,6 e 5 bilhões, respectivamente).

Em relação às cidades beneficiadas pelos investimentos, destaca-se o fato das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro receberem a maior parte dos recursos previstos no projeto. Juntos, essas duas cidades devem receber mais que R$ 8,6 bilhões.

Em seguida, em termos de volume de investimentos, destacam-se as cidades de Manaus (2,8 bilhões) e Belo Horizonte (2,5 bilhões).

As quatro cidades-sedes do Nordeste – Salvador, Recife, Fortaleza e Natal - recebem juntas 23% do total dos investimentos previstos.

Cabe registrar que, excetuando-se Curitiba, todas as demais cidades recebem investimentos superiores a 1 bilhão de reais.

Como pode ser observado, há uma relativa relação entre a divisão dos investimentos e a distribuição da população por região do país , com as regiões Norte e Centro-Oeste recebendo proporcionalmente mais recursos em relação a sua população e a Região Sul menos.

Percebe-se também que os governos estaduais e municipais, sem exceção, têm percebido a realização da Copa do Mundo como uma oportunidade de alavancar o desenvolvimento dos seus estados e municípios, reposicionando-os regionalmente ou nacionalmente, do ponto de vista do lugar atualmente ocupado na dinâmica econômica.

2. A Promoção de Políticas Redistributivas – o legado social – e a nova coalização empreendedorista empresarial

A análise dos projetos e das políticas públicas urbanas vinculadas a esses megaeventos esportivos, sobretudo aquelas vinculadas aos programas federais, parecem ser marcadas por componentes redistributivos, ou seja, parecem estar associadas aos investimentos em políticas, equipamentos e serviços urbanos - habitação, saneamento, saúde e educação – nas cidades, parte dos quais destinados as classes populares, o que tem sido identificado como legado social da Copa do Mundo.

Aqui é preciso considerar que o grau em que tais políticas são desenvolvidas é variável em cada localidade e parece estar fortemente ligado à natureza da coalizão empreendedorista empresarial que emerge em cada cidade brasileira.

No quadro das grandes desigualdades sociais que marcam o país, pode-se colocar como hipótese a necessidade desses investimentos em políticas urbanas para as classes populares como requisito para a legitimação do Estado enquanto poder público, e também da coalizão que sustenta essa nova governança urbana empreendedorista empresarial. De fato, não é raro observar nas grandes cidades brasileiras, que ao lado do intenso processo de remoção de comunidades compostas por famílias de baixa renda nas áreas revitalizadas, existem investimentos significativos na urbanização e regularização de favelas e assentamentos precários, sobretudo através do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Também se observam importantes investimentos voltados à população de baixa renda, como a regularização fundiária de ocupações de imóveis públicos e o financiamento de empreendimentos habitacionais geridos pelos movimentos sociais de moradia (Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV/Entidades).

No entanto, seja qual for o caráter redistributivo dos investimentos, o projeto de cidade que está em curso parece aprofundar ou, pelo menos, corre o risco de aprofundar, o padrão de urbanização excludente que caracteriza a ordem urbana brasileira.

São diversos os indícios de especulação imobiliária e supervalorização das áreas urbanas que estão sendo objeto de intervenção por parte do poder público, em especial em torno dos projetos de mobilidade urbana. De fato, tudo leva a crer que os investimentos em mobilidade são os principais investimentos de reestruturação das cidades, incidindo sobre a sua dinâmica urbana na perspectiva da (re)valorização de certas áreas e na viabilização dos investimentos na expansão urbana das cidades. O setor imobiliário, dependo da cidade e da área de intervenção, trabalha com índices de valorização imobiliária que variam entre 100% a 1.000% (por exemplo, em Fortaleza).

Aqui, cabe levantar a importância da aplicação de instrumentos de captura da mais valia fundiária associada à valorização imobiliárias dessas áreas. Os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores – em especial a instituição e demarcação de Zeis em vazios urbanos como a outorga onerosa do direito de construir - poderiam estar sendo aplicados tanto para conter a especulação imobiliária como para capturar parte da valorização imobiliária decorrente dos investimentos urbanos.

Cabe ao Conselho das Cidades monitorar a aplicação, pelas cidades-sedes da Copa do Mundo, dos instrumentos previstos nos planos diretores, recomendando a aplicação dos mesmos quando for o caso.

3. Uma nova rodada de mercantilização da cidade acionando processos de acumulação por espoliação: a difusão das cidades neoliberais no contexto brasileiro.

Mesmo que seja possível constatar intervenções urbanas destinadas à ampliação do acesso das classes populares aos serviços e equipamentos urbanos, são claros os indícios de que se está diante de uma nova rodada de mercantilização da cidade, caracterizada pela transformação de espaços, equipamentos e serviços urbanos desvalorizados – e, portanto, parcialmente ou totalmente desmercantilizados – em mercadoria, ou seja, em ativos inseridos nos circuitos de valorização do capital. Esse processo ocorre, seja pela transferência forçada de ativos sob o controle das classes populares para setores do capital imobiliário ou de serviços urbanos, seja pela criação de novos serviços e equipamentos urbanos que serão geridos pela iniciativa privada (por exemplo, na área do transporte, esporte e lazer). Em outras palavras, estar-se-ia diante de uma nova rodada de mercantilização e elitização da cidade, onde certas áreas passam a se constituir em mercadoria destinada as classes médias e altas que têm poder aquisitivo para pagar pelas habitações e serviços que serão oferecidos.

De fato, em quase todas as cidades onde estão ocorrendo intervenções urbanas vinculadas à Copa do Mundo estão ocorrendo ou estão previstas remoções. Efetivamente essas remoções representam a transferência de ativos sob a posse de grupos e classes populares (muitas das quais morando em áreas com situação fundiária irregular) para outros agentes econômicos e sociais que vão comprar e se apropriar desses ativos valorizados. Em geral, essas remoções têm ocorrido desrespeitando-se os direitos coletivos das famílias e comunidades moradoras das áreas de intervenção.

Considerando-se as configurações sociais das diferentes comunidades afetadas pelas intervenções urbanas, pode-se constatar remoções, ou seja, processos de transferência de ativos sob o controle das classes populares, no qual parcela da população (por exemplo, em situação de vulnerabilidade social e vivendo em uma habitação com alto grau de precariedade) poderia estar sendo beneficiada com a aquisição de um imóvel regularizado e em bom estado, mesmo em uma área distante; enquanto que outra parcela da mesma comunidade (com sua inserção social mais ou menos estabilizada em razão de vínculos estabelecidos com redes sociais e de trabalho formais ou informais) poderia estar sendo vulnerabilizada pela sua exclusão da área na qual organiza sua reprodução social. Dito de outra forma, o direito à moradia pode estar ao mesmo tempo sendo negado e promovido, desde que permita e não ameace o processo de mercantilização da cidade.

Nesse plano, é preciso levar em consideração que os despejos e as remoções ocorrem sob a legitimidade conferida pelo Poder Judiciário (que permite e determina as remoções) e da ordem pública, que operam no conflito entre, de um lado, os processos de mercantilização da cidade – promovido pelo poder público e pela coalizão de forças que sustenta a nova governança empreendedorista empresarial, acionando o discurso do interesse público em torno do desenvolvimento econômico e social – e, de outro, os processos de desmercantilização da cidade e de promoção do direito à moradia, encarnado pelos movimentos sociais organizados em torno da reforma urbana e do direito à cidade. Mas ambos os processos e discursos se expressam em políticas públicas e aparatos institucionais no interior do aparelho de Estado, apesar da lógica mercantil ser a dominante e hegemônica. Daí resulta a dificuldade de enfrentamento desse projeto.

Nesse ponto, cabe levantar a importância das intervenções urbanas nas cidades-sedes respeitarem o direito à moradia estabelecido na Constituição Brasileira e no Estatuto das Cidades, garantindo a permanência das famílias nas áreas por elas ocupadas, ou, em caso de absoluta necessidade de sua transferência para outras moradias, garantindo-se a discussão com as comunidades do projeto de reassentamento em área próxima, e o acesso à moradia digna através do procedimento chave-por-chave, ou seja, a saída das família para outro imóvel já construído e pronto para ser ocupado.

Cabe ao Conselho das Cidades definir critérios que devam ser cumpridos pelos governos estaduais e municipais como requisito para o recebimento de recursos do governo federal. Sem o respeito ao direito à moradia não pode haver repasses de recursos do governo federal.

4. A lógica da exceção na intervenção do Estado

Por fim, as intervenções em curso revelam a incapacidade do Estado em se pautar por critérios universalistas, centrados no objetivo da inclusão social dos diferentes grupos sociais à cidade, e a crescente adoção de um padrão de intervenção centrado na exceção, focado em certas áreas da cidade com capacidade de atração de investimentos, subordinando as políticas, implementadas de forma discricionária, aos interesses de grandes grupos econômicos e financeiros que comandam a nova coalizão empreendedorista empresarial. Os projetos determinam o que pode e o que não pode ser realizado (Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas aqui, um porto ou um teleférico acolá), as comunidades que podem permanecer e aquelas que precisam ser removidas, legitimados, em primeiro lugar, pelo discurso do desenvolvimento, e de forma subsidiária, pelo discurso da ordem, da ilegalidade fundiária ou do risco ambiental. Se existem direitos coletivos e sociais estabelecidos no Estatuto da Cidade, relativos à moradia e à participação nos projetos urbanos, estes serão aplicados de forma diferenciada segundo o grupo social envolvido em um determinado conflito.

No caso da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas, esse padrão de intervenção pela exceção fica bastante evidenciado na subordinação das ações do poder público às exigências dos organismos internacionais que coordenam esses megaeventos esportivos, a FIFA (Fédération Internationale de Football Association) e o COI (Comitê Olímpico Internacional).

5. Recomendações para o Conselho das Cidades

Tendo em vista o exposto, destacam-se quatro recomendações:

(i) a criação de uma instância no âmbito do governo federal para monitoramento das intervenções vinculadas à Copa do Mundo, com a participação do Conselho das Cidades; e a criação de um grupo de trabalho específico sobre o tema, no âmbito do Conselho das Cidades.

(ii) a necessidade de criação de critérios para a liberação dos recursos federais, associados ao respeito ao Estatuto da Cidade e ao direito à moradia, em especial, e a necessidade dos projetos serem discutidos com as comunidades envolvidas e com a sociedade como um todo; e a necessidade de respeitarem o direito à moradia digna das famílias afetadas pelas intervenções.

(iii) o monitoramento, pelo Conselho das Cidades, da aplicação, pelas cidades-sedes, dos instrumentos de captura da valorização fundiária previstos no Estatuto da Cidade e nos planos diretores, nas áreas que estão sendo objeto de intervenção.

(iv) a proposição de critérios para a aprovação dos projetos de mobilidade vinculados à Copa do Mundo, associados a integração dos modais – envolvendo ciclovias e calçadas – a acessibilidade em relação as tarifas, a acessibilidade dos deficientes físicos, e a priorização de investimentos em áreas ocupadas pelo população de baixa renda. Sugere-se que o Conselho das Cidades, através do Comitê Técnico de Mobilidade, e por meio da mobilização de pesquisadores e consultores - faça a análise de todos os projetos vinculados à mobilidade urbana nessas cidades.

(v) a análise dos impactos sociais gerados pelas intervenções já realizadas e medidas de reparação nos casos de violação do direito à moradia e do direito à cidade que forem identificados.

(vi) a realização de um seminário nacional promovido pelo Conselho das Cidades, dedicado à discussão do projeto da Copa e das Olimpíadas e de seus impactos sociais, urbanos, econômicos e ambientais.

PRIMEIRO DEBATE – ASSESSORIA PARA A AUTOGESTÃO

Primeiro debate do Ciclo Internacional PRÁTICAS DE MORAR. Produção, gestão e vida coletiva. Mais informações no blog do evento.




O primeiro debate se realizou no dia 09/12/2011 no auditório da FA-UFRGS. Contamos com a presença de pessoas provenientes de movimentos urbanos, universidade, poder público e iniciativa privada, num total de aproximadamente 40 pessoas.
Segue a apresentação inicial feita pelo debatedor convidado, Pedro Fiore Arantes. Em breve disponibilizaremos o conteúdo do debate.

História e contexto brasileiro recente da autogestão urbana

Devemos entender que a luta por autogestão da cidade, da vida, é uma luta que tem uma história e esta história faz a diferença no momento em que levantamos a bandeira… Falar em autogestão nos anos 1980 tinha um significado. Falar em autogestão hoje tem um significado totalmente diverso. Resgatar práticas que foram vitoriosas em determinado momento hoje, que elas definitivamente não são vitoriosas, pode por de ponta-cabeça, inclusive, o sentido emancipador da experiência.
nclusive, o sentido emancipador da experiência.
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Para além da moradia: construir territórios de Poder Popular na luta anticapitalista. (…) Ou a gente cria práticas anti-hegemônicas, ou melhor não fazê-las, entregamos para as construtoras. A partir do momento que o movimento começa a aceitar que a construtora faça a obra, que não tenha formação política, que o projeto seja uma porcaria, que seja em qualquer lugar, então vamos encerrar. Então não precisa de movimento, nem de grupos organizados, nem de arquitetos e militantes apoiando. Então este é o impasse fundamental. Ou estamos construindo o Poder Popular em direção a uma outra sociedade, ou vamos fazer outra coisa.
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… Então a idéia de reforma urbana como uma vontade popular, quase que a reforma urbana feita em Cuba, mas, enfim, depois tem outro ‘capítulo’: como é que em Cuba eles fizeram a reforma urbana em três anos e a gente está aqui, há décadas… Mas evidentemente o processo revolucionário não se instaurou no Brasil! Cinqüenta a sessenta por cento do déficit seria resolvido com imóvel vazio. Mas isto não está na agenda: a agenda que interessa às construtoras, e mesmo aos movimentos, é construir casas.
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Na gestão Erundina (Partido dos Trabalhadores)… Simbolicamente, aquilo significava a implosão do grande conjunto habitacional, mas também a implosão da herança do entulho autoritário do Brasil da ditadura e a construção do novo país e da nova cidade.
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Recomendo um texto do Florestan Fernandes, de 1992 ou 93, sobre o PT [Partido dos Trabalhadores], que ele define que, naquele momento, o PT tinha decidido se tornar um partido da ordem para gerir o capitalismo brasileiro. Vão investigar os motivos: é um partido que deixa de ser de base para ser de políticos profissionais, organizados em torno dos mandatos, enfim, aquilo que todos conhecemos… Parece uma esquizofrenia… A abertura do capital na bolsa é apoiada pelo Ministério das Cidades – é apoiada pelo governo… Esta engenharia da entrada das dezesseis maiores empresas de construção habitacional é feita junto com o Banco Central, com o Ministério da Fazenda e com a Casa Civil. Com o dinheiro que eles captam lançando ação na bolsa, eles fazem um enorme ‘feirão’ da terra urbana no Brasil!
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A bancada do cimento pede a palavra: fica com 97% dos recursos. Nós ficamos com 1,5% e os pequenos agricultores com 1,5%. Este 1,5 está servindo pra que? A idéia de que política pública é pública é uma idéia do passado, é uma política de negócios privados, também. O que interessa a uma empresa é como lucrar cumprindo um direito constitucional do brasileiro… Fazer moradias e cidade é o mesmo que produzir geladeiras? Pra nós é obvio que não, mas pro capitalista que tá fazendo MCMV é o mesmo que fazer geladeira.

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Projetos – Metodologia, trabalho e acompanhamento

Conclusões

Estamos cada vez mais considerando que a autogestão tem que sinalizar para os trabalhadores uma outra forma de organizar a vida e a luta política. Não pode ser só para aqueles cem trabalhadores “beneficiários” que vão morar lá dentro, tem que ser para todo o bairro. Tem que sinalizar que a autogestão é capaz de melhorar a vida urbana, de ampliar a vida pública, e não de reproduzir a forma do condomínio fechado. Minha fala pode parecer esquizofrênica: a primeira parte sem nenhuma margem pra criação e pensar alternativas e esta, toda mais positiva, agora. Acho que é bom ponderar entre estes pólos… As coisas não estão fáceis. A gente não pode se iludir de que continuar fazendo projetos por autogestão hoje tem o mesmo sentido de que havia há vinte anos. A gente tem que saber reposicionar o sentido das experiências para embarcar nela de uma forma crítica, não iludida, ao mesmo tempo sabendo o que fazemos e por que fazemos.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Justiça Federal suspende reintegração e Pinheirinho obtém vitória

Carro da tropa de choque que seria usado na desocupação do Pinheirinho- Antonio Basílio
Carro da tropa de choque que seria usado na desocupação do Pinheirinho- Antonio Basílio
Sem-teto comemoram vitória. Foto: Antonio BasílioSem-teto comemoram vitória. Foto: Antonio Basílio
Sem-teto comemoram vitória. Foto: Antonio BasílioSem-teto comemoram vitória. Foto: Antonio Basílio
Após uma madrugada de muita apreensão, festa e o sentimento de vitória. Juíza federal suspende reintegração de posse do acampamento. Moradores estão em festa

São José dos Campos

Após uma madrugada de muita apreensão, festa e o sentimento de vitória. Todos no acampamento sem-teto do Pinheirinho esperavam para esta manhã, a partir das 6h, que a polícia cumprisse o mandado de reintegração de posse da área.

O perímetro do acampamento era vigiado por motos dos sem-teto e alguns 'pelotões' estavam estrategicamente posicionados para entrar em confronto com a polícia caso a ordem fosse cumprida.
"Estamos aqui até a morte. Não vamos arredar o pé", disse um dos 'soldados' sem-teto, que não quis se identificar.
LIMINAR - A tensão, no entanto, rapidamente deu lugar à euforia quando, às 5h15, o advogado dos sem-teto, Antonio Donizete Ferreira, convocou uma reunião às pressas, logo na entrada do Quartel General do assentamento.
Ele informou que a Justiça Federal havia concedido liminar que suspendia o cumprimento do mandado de reintegração de posse.
"Essa liminar, com muito sufoco, deu um fôlego para continuarmos as negociações políticas. O próximo passo é convencer a prefeitura a mudar o zoneamento para desapropriar a área", disse.
Ao saber da notícia, o Pinheirinho entrou em transe. Os moradores comemoram efusivamente a conquista. Eles tomaram a avenida do Imperador com buzinaço, bandeirões e gritam palavras de ordem .
O defensor público Jairo Salvador esteve no acampamento e confirmou a vitória temporária dos sem-teto.

O pintor industrial, Vanaildo Silva, 34 anos, está no acampamento desde o início da ocupação, em 2004, e disse que o dia de hoje foi de recordações.

"Hoje, quando estava pronto para resistir à desocupação relembrei das borrachadas e cacetetes que tomei quando tive que deixar o campão. Viemos para cá e quando pisei aqui acreditei que este lugar seria minha casa e agora, com essa decisão, tenho certeza de que este é o lar da minha família".

O Comando do Policiamento do Interior da PM recebeu a ordem para que não cumpra a reintegração de posse. Em entrevista coletiva nesta manhã, o coronel Manoel Messias Mello afirmou que a possibilidade de que a reintegração de posse aconteça hoje está descartada. " A ação requer um planejamento especial e não tem condições para que isso ocorra hoje".


Moradores do Pinheirinho comemoram liminar que suspendeu a reintegração de posse
A liminar. A liminar foi concedida em reposta à ação cautelar ajuizada pela Associação dos Sem-Teto, às 22h de ontem, pedindo que a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Guarda Municipal se abstenham de efetivar qualquer desocupação.

O despacho foi expedido às 4h45 desta terça-feira pela juíza de plantão Roberta Chiari, que fez alegações sobre a tratativa entre governo federal, governo do Estado e os moradores sem-teto. A juíza justificou a liminar dizendo que o protocolo de intenções entre as três esferas tem o objetivo de unir esforços que possibilitem a regularização fundiária para garantir infraestrutura urbana, mehorias na habitação, construção de equipamentos públicos, realização de trabalhos sociais etc.

De acordo com o documento, entre os principais aspectos considerados para a suspensão da reintegração está a defesa da integridade física das famílias.

Suspensão. Segundo Salvador, a decisão é provisória. "Essa liminar não garante uma posição definida, mas dá fôlego para que se avance nas negociações sobre a regularização".

Ainda de acordo com defensor, apenas o Tribunal Regional Federal pode julgar a nova liminar, se a Selecta fizer o pedido. O processo também abre brecha para a juíza Márcia Loureiro, da 6ª Vara Cível, que determinou a reintegração de posse, questionar competência no Superior Tribunal de Justiça, que irá tomar a decisão definitiva.
Recorrer. A juíza da 6ª Vara Cível Marcia Loureiro, não concordou com a decisão de sua colega. Segundo ela, a ordem só não foi cumprida porque a PM não ficou em dúvida já que as duas esferas judiciais são equivalentes. "Isso (o não cumprimento da ordem judicial) não poderia acontecer", disse a magistrada.
Cobertura
Beatriz Rosa, Aurélio Moreira, Flávia Marreira, Marinella Souza, Vivian Zwaricz, Filipe Rodrigues e João Paulo Sardinha.
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A TV O VALE (www.ovale.com.br) foi a primeira a entrar ao vivo, com imagens e som, direto do acampamento sem-teto do Pinheirinho - às 5h57 desta terça-feira, 17 de janeiro de 2012. Confira os melhores momentos.




Moradores comemoram a suspensão da liminar
http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=5697061536424755448

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

"O futuro das cidades", por Jean-Pierre Garnier

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Le Monde Diplomatique


A luta por espaço


A chegada, aos bairros operários, de grupos sociais pertencentes às classes de maior poder aquisitivo é vista, com frequência, como uma invasão. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição por cidadãos mais abastados

por Jean-Pierre Garnier

A reestruturação urbana pela “destruição criadora” adquiriu dimensão planetária. De Bombaim a Pequim, passando por Londres, Nova York ou Paris, bairros populares bem localizados são revitalizados, enquanto seus antigos habitantes são deslocados para conjuntos habitacionais de baixa qualidade nas periferias para dar lugar a projetos residenciais “de categoria”. Iniciativas culturais prestigiosas capazes de mobilizar investidores, promotores, diretores e quadros sociais superiores, além de turistas endinheirados. Em suma, para o geógrafo David Harvey, “a favela entra em colisão com o canteiro de obras global, assimetria atroz que só pode ser interpretada como uma maneira gritante de confronto de classe1”.

Para além da aparição de novas formas de organização urbanística e arquitetônica, localizar esse fenômeno como conflito de classe não permite, contudo, afirmar que a luta secular entre dominantes e dominados pela conquista ou reconquista do espaço urbano se dá de maneira imutável ou estável. Seria negligenciar os efeitos ideológicos e políticos da recomposição de grupos sociais, em particular em países onde a “terceirização” ganhou mais importância que a industrialização. O crescimento das atividades do chamado setor de serviços vem sendo acompanhado, desde as últimas décadas do século XX, pela expansão de uma nova classe média ligada à polarização das funções-chaves financeiras, jurídicas e culturais em áreas urbanas elevadas à categoria de metrópole em escala mundial ou, ao menos, nacional. Dois aspectos gerais devem ser ressaltados: de um lado, o aumento do potencial dessa força de trabalho bem provida de capital escolar (estudos e diplomas de ensino superior) que, a fim de frutificar seus investimentos em educação, aliou-se à burguesia; de outro lado, o enfraquecimento do tecido industrial tradicional e a desagregação do movimento operário, que derrocaram os projetos de transformação radical da sociedade e os ideais de emancipação coletiva que os sustentavam.

Divisões de classes

“Confronto”, de acordo com a formulação de Harvey, não é necessariamente afrontamento. Hoje, é sobretudo sob a forma de separatismo que se manifestam as divisões de classes no espaço urbano. Os enfrentamentos diretos entre proprietários e despossuídos tornaram-se raros. O combate para se apropriar da cidade não acabou por falta de combatentes, mas porque, face à uma burguesia sempre na ofensiva, o outro protagonista, o proletariado, não está em condições de se opor a ela. A primeira “conserva o conjunto de atributos de uma classe: situação e destino comuns, sentimento de aparência e estratégias múltiplas de reprodução social, incluindo as ações para enfraquecer o mundo do trabalho2”. Os trabalhadores, ao contrário, perderam a consciência de sua existência coletiva e de seu “papel histórico” de sujeitos revolucionários destinados a subverter a ordem estabelecida, tal como lhes atribuíam os teóricos do socialismo.

Sem dúvida, as manobras das classes dirigentes para privar o povo de seus territórios não pararam de suscitar resistência. Afrontamentos entre a polícia ou o exército e moradores de ciudades cayampas e favelas “disfarçados” de luta contra a delinquência e a subversão na América Latina; despejos realizados por militares nas periferias do Magreb e da África subsaariana; deslocamento forçado de antigos habitantes e demolição de suas casas na China “popular” para abrir terreno a infraestrutura e imóveis destinados a colocar as grandes cidades em dia com a mundialização do mercado; incêndios metódicos de grande calibre em ex-bairros “alternativos” de Berlim apropriados pela neo-burguesia após a reunificação...

Também poderíamos mencionar as revoltas da população negra nos guetos estadunidenses nos anos de 1960 ou as de jovens imigrantes afro-caribenhos nas periferias inglesas marginalizadas, alvos de promessas de “reforma” por parte do governo de Margaret Thatcher no início dos anos 1980. Já na França, na Itália e na Espanha, manifestações, ocupações, multiplicação de squats, autorredução de aluguéis, florescimento de associações de residentes e comitês de bairro fizeram crer, nos anos de 1970, que estava se formando um novo tipo de movimento social qualificado pela sociologia crítica de “luta urbana”, mais ou menos explicitamente enquadrado na reivindicação do “direito à cidade” por todos. Teóricos e militantes de extrema esquerda que viram nessa agitação a abertura de uma nova frente de luta anticapitalista, porém, desencantaram-se rapidamente.





Resistência efêmera

Com algumas exceções, a junção esperada entre trabalhadores e citadinos como uma extensão do domínio da luta de classes não aconteceu. Em ocasiões em que se deu, como no Chile, Argentina ou certas cidades italianas e espanholas – Turim, Bolonha, Barcelona –, os trabalhadores chegaram a unir-se contra promotores, proprietários e seus apoios políticos, mas a resistência, revestida de formas efêmeras e sem futuro, foi quase sempre abafada pela repressão. Esse tipo de rebeldia também foi neutralizado pelas negociações com os poderes vigentes, processo no qual a combatividade e a radicalidade dos habitantes revoltados foram “amansadas” pelo processo de tornar seus líderes notáveis.

As “lutas urbanas”, cuja eclosão deveria reforçar a participação de outras classes sociais junto ao proletariado e contra o capital, foram empreendidas e teorizadas por militantes “contestadores” oriundos da universidade (docentes, pesquisadores, arquitetos, assistentes sociais...). Contudo, a importância dada a esse “novo ambiente” vinha acompanhada de certa indiferença, quando não de pura ignorância em relação ao que acontecia no “mundo do trabalho”. Na França, sob a batuta de universitários da “segunda esquerda” (François Dubet, Didier Lapeyronnie...) – precursores do liberalismo social –, as lutas urbanas foram inclusive inscritas entre os “novos movimentos sociais” convocados a tomar o lugar de importância de um movimento operário esgotado. Estavam destinados a “transformar o contexto social” sem que fosse necessário acabar com o capitalismo, postulado então como inevitável. Para “mudar a cidade”, bastaria ajudar a sociedade a evoluir conferindo-lhe uma configuração mais “urbana”.

É precisamente nessa tarefa que se lançaram um grande número de ex-críticos ferrenhos da urbanização capitalista. Assim, sociólogos e geógrafos, arquitetos e urbanistas, técnicos e eleitos locais conjugaram seus esforços para adaptar o espaço urbano aos requisitos do capitalismo “pós-moderno”. Após esvaziar toda e qualquer conotação revolucionária, não hesitaram em retomar certas temáticas do “direito à cidade” teorizado pelo sociólogo marxista Henri Lefebvre3: prioridade do qualitativo sobre o quantitativo; recusa da padronização das construções para preservar ou recuperar a historicidade, a autenticidade e a personalidade de um bairro; valorização dos espaços públicos – lugares da sociabilidade espontânea por excelência.

Não se trata mais de fazer do espaço urbano tabula rasa como na época da “renovação-escavadeira”, quando pedaços – ou bairros inteiros – da cidade eram considerados “insalubres” e derrubados para “liberar terrenos” propícios ao florescimento de imóveis de “categoria” com fins residenciais ou comerciais. As ruas tortuosas e estreitas, herdadas ao longo dos séculos também foram submetidas ao mesmo processo, dando lugar a “anéis viários” e “radiais” para adaptar a cidade ao automóvel. Atualmente, a palavra de ordem não é “destruição” – salvo um ou outro edifício irrecuperável –, e sim “reabilitação”, “regeneração”, “revitalização” ou ainda “renascimento”.

Em voga entre aqueles que ocupam cargos ligados à manutenção e à reorganização das cidades, essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços “requalificados” às pessoas “de qualidade”. “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social”, nota um geógrafo belga.

“Quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas4”. Dito de outra forma, se há “reforma urbana”, ela visa antes “renovar” a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de “metrópoles” dinâmicas e atrativas.

Especulação imobiliária

Ainda que efetuada progressivamente, a chegada de grupos sociais pertencentes às classes assalariadas de maior poder aquisitivo e profissionais liberais em bairros operários é vista, com frequência, como invasão pelos habitantes originais. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição no espaço por citadinos mais abastados e educados, desejosos de constituir uma identidade residencial que esteja de acordo com a identidade social.

A “gentrificação” não atinge somente o espaço construído: afeta também o espaço político e, em particular, a natureza dos partidos da esquerda oficial cuja adesão popular não para de cair. “Trata-se de um fenômeno europeu”, nota o geógrafo Christophe Guilly: “por todos os lados vemos também uma ‘gentrificação’ da social-democracia5”. Não é surpreendente, portanto, que as municipalidades de esquerda se coloquem, na maior parte do tempo, à frente dos desejos e aspirações de sua nova base social, notadamente em questões de urbanismo, habitação e consumo cultural.

No luxuoso folheto de divulgação das reformas programadas para a “Paris do século XXI”, a primeira secretária da prefeitura encarregada do urbanismo e arquitetura da cidade, Anne Hidalgo, resumia a vocação que se impõe aos locais escolhidos como alvo de reformas em grandes cidades: reforçar a identidade de “cidades globais”, “um estatuto que a capital francesa disputa com numerosas metrópoles mundiais6”. Os discursos líricos e consensuais sobre a necessidade de “romper o isolamento do núcleo da aglomeração” em relação à periferia e de levar um “novo olhar sobre o centro da região urbana” não deve gerar ilusões. Como o supertrem circular automatizado previsto pela hipotética “grande Paris”, o projeto de anel viário em torno de bairros tradicionais de Anvers não visa responder às necessidades urgentes de transporte dos habitantes locais, e sim colocar em relação direta polos econômicos, estradas, aeroportos e estações de trem. Em outras palavras, os pontos julgados vitais para a circulação do capital e que, articulados entre si, permitirão à metrópole francesa não ficar para trás na competição com suas rivais europeias.

Que tipo de renovação?

Afinal, os planos urbanísticos faraônicos, atrativos a complexos residenciais que incluem shoppings, museus, cinemas, centro de negócios etc., como por exemplo “grande Hanói”, não deveriam ajudar a ex-capital da resistência anti-imperialista a tomar seu lugar junto a Cingapura, Hong Kong e até mesmo Xangai? (ver artigo de Xavier Monthéard, na pág.10) E o que dizer da construção programada, em São Francisco, de um prestigioso “centro de trânsito” onde diferentes tipos de transporte público estarão conectados para tornar mais fluido o deslocamento em torno da baía? Essa operação de “renovação urbana” que inclui arranha-céus e equipamentos de lazer, é vista como meios para “transformar o perfil físico da cidade”. E seu perfil social também: a parte do antigo centro, com diversos imóveis ocupados, será simplesmente apagada do mapa7.

O projeto que diz recuperar a parte central e a periferia de regiões urbanas para destiná-las à “comunidade” é apenas a aplicação espacial do princípio único que rege o conjunto da vida em sociedade por todo o planeta: a “concorrência livre e justa”.
Jean-Pierre Garnier é sociólogo, autor do livro Contra os territórios de poder.

1 David Harvey, “The right to the city”, New Left Review, n° 53, Londres, set.-out. 2008.
2 Paul Bouffartigues, Le retour des classes sociales. Inégalités, dominations, conflits, La Dispute, Paris, 2004.
3 Henri Lefebvre, O direito à cidade, Ed. Centauro, São Paulo, 2008.
4 Mathieu Van Criekingen, La Tribune de Bruxelles, 6 décembre 2007.
5 Christophe Guilly, “La nouvelle géographie sociale à l’assaut de la carte électorale”,], Centre d’études de la vie politique française, Paris, 2002.
6 Anne Hidalgo, “Paris doit faire face à une évolution profonde du monde”, Paris 21 e siècle, Atelier parisien d’urbanisme-Le Passage, Paris, 2008.
7 Brad Ston, “Ambitious Downtown Transit Project Is at Hand”, The New York Times, 3 de janeiro de 2010.


Sonho Real - Uma história de luta por moradia

"O futuro das cidades", por Jean-Pierre Garnier

Le Monde Diplomatique
A luta por espaço
A chegada, aos bairros operários, de grupos sociais pertencentes às classes de maior poder aquisitivo é vista, com frequência, como uma invasão. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição por cidadãos mais abastados

por Jean-Pierre Garnier

A reestruturação urbana pela “destruição criadora” adquiriu dimensão planetária. De Bombaim a Pequim, passando por Londres, Nova York ou Paris, bairros populares bem localizados são revitalizados, enquanto seus antigos habitantes são deslocados para conjuntos habitacionais de baixa qualidade nas periferias para dar lugar a projetos residenciais “de categoria”. Iniciativas culturais prestigiosas capazes de mobilizar investidores, promotores, diretores e quadros sociais superiores, além de turistas endinheirados. Em suma, para o geógrafo David Harvey, “a favela entra em colisão com o canteiro de obras global, assimetria atroz que só pode ser interpretada como uma maneira gritante de confronto de classe1”.

Para além da aparição de novas formas de organização urbanística e arquitetônica, localizar esse fenômeno como conflito de classe não permite, contudo, afirmar que a luta secular entre dominantes e dominados pela conquista ou reconquista do espaço urbano se dá de maneira imutável ou estável. Seria negligenciar os efeitos ideológicos e políticos da recomposição de grupos sociais, em particular em países onde a “terceirização” ganhou mais importância que a industrialização. O crescimento das atividades do chamado setor de serviços vem sendo acompanhado, desde as últimas décadas do século XX, pela expansão de uma nova classe média ligada à polarização das funções-chaves financeiras, jurídicas e culturais em áreas urbanas elevadas à categoria de metrópole em escala mundial ou, ao menos, nacional. Dois aspectos gerais devem ser ressaltados: de um lado, o aumento do potencial dessa força de trabalho bem provida de capital escolar (estudos e diplomas de ensino superior) que, a fim de frutificar seus investimentos em educação, aliou-se à burguesia; de outro lado, o enfraquecimento do tecido industrial tradicional e a desagregação do movimento operário, que derrocaram os projetos de transformação radical da sociedade e os ideais de emancipação coletiva que os sustentavam.

Divisões de classes

“Confronto”, de acordo com a formulação de Harvey, não é necessariamente afrontamento. Hoje, é sobretudo sob a forma de separatismo que se manifestam as divisões de classes no espaço urbano. Os enfrentamentos diretos entre proprietários e despossuídos tornaram-se raros. O combate para se apropriar da cidade não acabou por falta de combatentes, mas porque, face à uma burguesia sempre na ofensiva, o outro protagonista, o proletariado, não está em condições de se opor a ela. A primeira “conserva o conjunto de atributos de uma classe: situação e destino comuns, sentimento de aparência e estratégias múltiplas de reprodução social, incluindo as ações para enfraquecer o mundo do trabalho2”. Os trabalhadores, ao contrário, perderam a consciência de sua existência coletiva e de seu “papel histórico” de sujeitos revolucionários destinados a subverter a ordem estabelecida, tal como lhes atribuíam os teóricos do socialismo.

Sem dúvida, as manobras das classes dirigentes para privar o povo de seus territórios não pararam de suscitar resistência. Afrontamentos entre a polícia ou o exército e moradores de ciudades cayampas e favelas “disfarçados” de luta contra a delinquência e a subversão na América Latina; despejos realizados por militares nas periferias do Magreb e da África subsaariana; deslocamento forçado de antigos habitantes e demolição de suas casas na China “popular” para abrir terreno a infraestrutura e imóveis destinados a colocar as grandes cidades em dia com a mundialização do mercado; incêndios metódicos de grande calibre em ex-bairros “alternativos” de Berlim apropriados pela neo-burguesia após a reunificação...

Também poderíamos mencionar as revoltas da população negra nos guetos estadunidenses nos anos de 1960 ou as de jovens imigrantes afro-caribenhos nas periferias inglesas marginalizadas, alvos de promessas de “reforma” por parte do governo de Margaret Thatcher no início dos anos 1980. Já na França, na Itália e na Espanha, manifestações, ocupações, multiplicação de squats, autorredução de aluguéis, florescimento de associações de residentes e comitês de bairro fizeram crer, nos anos de 1970, que estava se formando um novo tipo de movimento social qualificado pela sociologia crítica de “luta urbana”, mais ou menos explicitamente enquadrado na reivindicação do “direito à cidade” por todos. Teóricos e militantes de extrema esquerda que viram nessa agitação a abertura de uma nova frente de luta anticapitalista, porém, desencantaram-se rapidamente.

Resistência efêmera

Com algumas exceções, a junção esperada entre trabalhadores e citadinos como uma extensão do domínio da luta de classes não aconteceu. Em ocasiões em que se deu, como no Chile, Argentina ou certas cidades italianas e espanholas – Turim, Bolonha, Barcelona –, os trabalhadores chegaram a unir-se contra promotores, proprietários e seus apoios políticos, mas a resistência, revestida de formas efêmeras e sem futuro, foi quase sempre abafada pela repressão. Esse tipo de rebeldia também foi neutralizado pelas negociações com os poderes vigentes, processo no qual a combatividade e a radicalidade dos habitantes revoltados foram “amansadas” pelo processo de tornar seus líderes notáveis.

As “lutas urbanas”, cuja eclosão deveria reforçar a participação de outras classes sociais junto ao proletariado e contra o capital, foram empreendidas e teorizadas por militantes “contestadores” oriundos da universidade (docentes, pesquisadores, arquitetos, assistentes sociais...). Contudo, a importância dada a esse “novo ambiente” vinha acompanhada de certa indiferença, quando não de pura ignorância em relação ao que acontecia no “mundo do trabalho”. Na França, sob a batuta de universitários da “segunda esquerda” (François Dubet, Didier Lapeyronnie...) – precursores do liberalismo social –, as lutas urbanas foram inclusive inscritas entre os “novos movimentos sociais” convocados a tomar o lugar de importância de um movimento operário esgotado. Estavam destinados a “transformar o contexto social” sem que fosse necessário acabar com o capitalismo, postulado então como inevitável. Para “mudar a cidade”, bastaria ajudar a sociedade a evoluir conferindo-lhe uma configuração mais “urbana”.

É precisamente nessa tarefa que se lançaram um grande número de ex-críticos ferrenhos da urbanização capitalista. Assim, sociólogos e geógrafos, arquitetos e urbanistas, técnicos e eleitos locais conjugaram seus esforços para adaptar o espaço urbano aos requisitos do capitalismo “pós-moderno”. Após esvaziar toda e qualquer conotação revolucionária, não hesitaram em retomar certas temáticas do “direito à cidade” teorizado pelo sociólogo marxista Henri Lefebvre3: prioridade do qualitativo sobre o quantitativo; recusa da padronização das construções para preservar ou recuperar a historicidade, a autenticidade e a personalidade de um bairro; valorização dos espaços públicos – lugares da sociabilidade espontânea por excelência.

Não se trata mais de fazer do espaço urbano tabula rasa como na época da “renovação-escavadeira”, quando pedaços – ou bairros inteiros – da cidade eram considerados “insalubres” e derrubados para “liberar terrenos” propícios ao florescimento de imóveis de “categoria” com fins residenciais ou comerciais. As ruas tortuosas e estreitas, herdadas ao longo dos séculos também foram submetidas ao mesmo processo, dando lugar a “anéis viários” e “radiais” para adaptar a cidade ao automóvel. Atualmente, a palavra de ordem não é “destruição” – salvo um ou outro edifício irrecuperável –, e sim “reabilitação”, “regeneração”, “revitalização” ou ainda “renascimento”.

Em voga entre aqueles que ocupam cargos ligados à manutenção e à reorganização das cidades, essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços “requalificados” às pessoas “de qualidade”. “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social”, nota um geógrafo belga.

“Quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas4”. Dito de outra forma, se há “reforma urbana”, ela visa antes “renovar” a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de “metrópoles” dinâmicas e atrativas.

Especulação imobiliária

Ainda que efetuada progressivamente, a chegada de grupos sociais pertencentes às classes assalariadas de maior poder aquisitivo e profissionais liberais em bairros operários é vista, com frequência, como invasão pelos habitantes originais. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição no espaço por citadinos mais abastados e educados, desejosos de constituir uma identidade residencial que esteja de acordo com a identidade social.

A “gentrificação” não atinge somente o espaço construído: afeta também o espaço político e, em particular, a natureza dos partidos da esquerda oficial cuja adesão popular não para de cair. “Trata-se de um fenômeno europeu”, nota o geógrafo Christophe Guilly: “por todos os lados vemos também uma ‘gentrificação’ da social-democracia5”. Não é surpreendente, portanto, que as municipalidades de esquerda se coloquem, na maior parte do tempo, à frente dos desejos e aspirações de sua nova base social, notadamente em questões de urbanismo, habitação e consumo cultural.

No luxuoso folheto de divulgação das reformas programadas para a “Paris do século XXI”, a primeira secretária da prefeitura encarregada do urbanismo e arquitetura da cidade, Anne Hidalgo, resumia a vocação que se impõe aos locais escolhidos como alvo de reformas em grandes cidades: reforçar a identidade de “cidades globais”, “um estatuto que a capital francesa disputa com numerosas metrópoles mundiais6”. Os discursos líricos e consensuais sobre a necessidade de “romper o isolamento do núcleo da aglomeração” em relação à periferia e de levar um “novo olhar sobre o centro da região urbana” não deve gerar ilusões. Como o supertrem circular automatizado previsto pela hipotética “grande Paris”, o projeto de anel viário em torno de bairros tradicionais de Anvers não visa responder às necessidades urgentes de transporte dos habitantes locais, e sim colocar em relação direta polos econômicos, estradas, aeroportos e estações de trem. Em outras palavras, os pontos julgados vitais para a circulação do capital e que, articulados entre si, permitirão à metrópole francesa não ficar para trás na competição com suas rivais europeias.

Que tipo de renovação?

Afinal, os planos urbanísticos faraônicos, atrativos a complexos residenciais que incluem shoppings, museus, cinemas, centro de negócios etc., como por exemplo “grande Hanói”, não deveriam ajudar a ex-capital da resistência anti-imperialista a tomar seu lugar junto a Cingapura, Hong Kong e até mesmo Xangai? (ver artigo de Xavier Monthéard, na pág.10) E o que dizer da construção programada, em São Francisco, de um prestigioso “centro de trânsito” onde diferentes tipos de transporte público estarão conectados para tornar mais fluido o deslocamento em torno da baía? Essa operação de “renovação urbana” que inclui arranha-céus e equipamentos de lazer, é vista como meios para “transformar o perfil físico da cidade”. E seu perfil social também: a parte do antigo centro, com diversos imóveis ocupados, será simplesmente apagada do mapa7.

O projeto que diz recuperar a parte central e a periferia de regiões urbanas para destiná-las à “comunidade” é apenas a aplicação espacial do princípio único que rege o conjunto da vida em sociedade por todo o planeta: a “concorrência livre e justa”.
Jean-Pierre Garnier é sociólogo, autor do livro Contra os territórios de poder.

1 David Harvey, “The right to the city”, New Left Review, n° 53, Londres, set.-out. 2008.
2 Paul Bouffartigues, Le retour des classes sociales. Inégalités, dominations, conflits, La Dispute, Paris, 2004.
3 Henri Lefebvre, O direito à cidade, Ed. Centauro, São Paulo, 2008.
4 Mathieu Van Criekingen, La Tribune de Bruxelles, 6 décembre 2007.
5 Christophe Guilly, “La nouvelle géographie sociale à l’assaut de la carte électorale”,], Centre d’études de la vie politique française, Paris, 2002.
6 Anne Hidalgo, “Paris doit faire face à une évolution profonde du monde”, Paris 21 e siècle, Atelier parisien d’urbanisme-Le Passage, Paris, 2008.
7 Brad Ston, “Ambitious Downtown Transit Project Is at Hand”, The New York Times, 3 de janeiro de 2010.
 

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ocupar, resistir, enfrentar! Do Pinheirinho eu não saio não

Domingo, 15 Janeiro 2012 02:00

150112_PinheirinhoDiário Liberdade - [Luka Franca] O ano de 2012 já começa com resistência do movimento social em São José dos Campos. Há 8 anos centenas de famílias ocuparam a região do Pinheirinho na cidade, e de lá para cá a ocupação só fez crescer apesar das insistentes ofensivas da prefeitura de São José tentar desocupar a área. Nesta última semana o prefeito da cidade, Eduardo Cury, teve concedida nova reintegração de pose e o drama que havia se instaurado – novamente – já no final de 2011 se aprofundou mais depois de quarta-feira, quando foi lida a última reintegração de posse da ocupação do Pinheirinho, que é a maior ocupação urbana da América Latina.

Hoje a região assenta quase 10 mil pessoas, contando com comércio próprio, igrejas, playground e toda uma infra-estrutura construída durante 8 anos de ocupação pelos próprios moradores, visto que a prefeitura não libera a regularização da ocupação que hoje é praticamente um bairro de São José dos Campos. A decisão da prefeitura de desapropriar a área mobilizou os principais movimentos e sindicatos da região do Vale do Paraíba, com atos desde quinta-feira contando com a unidade entre diversas centrais sindicais, partidos de esquerda e movimentos sociais.
Ao entrar na ocupação do Pinheirinho e conversar com os moradores fica clara a compreensão de classe existente junto ao movimento atinge a todos, hoje as pessoas que ali ocupam reverberam a vontade de ficar e lutar pela sua moradia, deixando claro que estão de um lado da trincheira diferente da burguesia.
A ocupação do Pinheirinho se encontra hoje em um terreno com aproximadamente 1.382.000 metros quadrados, abrigando mais de 1.500 famílias, é contra esta ocupação que o PSDB de São José dos Campos investe suas forças para a implementação de um projeto higienista da cidade, mesmo sendo favoráveis a regularização do terreno o governo federal e o governo estadual de São Paulo.
Durante toda a semana boatos foram ditos para todos os cantos, intervenção direta de falsas assistentes sociais ligando para as mães do bairro dizendo para retirar as crianças da ocupação, sem dizer para onde levar e nem qual o auxílio as mesmas receberiam. Porém mesmo com todas as adversidades as guerreiras e guerreiros do Pinheirinho resistem, seja com sua própria tropa de choque, seja do espírito de resistência intrínseco a cada morador daquele bairro. “Se isso [a desocupação] vier a acontecer a maior tragédia do mundo esta população sair daqui sem ter para onde ir”diz a Dona Francisca Neide, residente a 6 anos do Pinheirinho e dona de uma padaria na ocupação.
Durante toda a sexta-feira (14 de janeiro) advogados e lideranças da ocupação estiveram reunidos com o governo federal e estadual construindo um protocolo para a regularização da área. A prefeitura também foi chamada para a reunião, porém não compareceu e ao receber a proposta construída durante o encontro ficou de pensar sobre o caso, porém sem estipular qual o prazo necessário para avaliar a proposta e ter uma posição oficial sobre o que foi proposto, informou o advogado do movimento Toninho. Segundo os advogados presentes na reunião com o governo federal e estadual a prefeitura não teria que arcar financeiramente com nada, apenas com a burocracia de tornar a região ocupada em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) para poder regularizar uma ocupação que hoje é efetivamente um bairro de São José dos Campos, contando com casas de alvenaria equipadas com telefone e antenas parabólicas, mas sem luz provida pelas concessionárias de energia locais oficialmente por conta da decisão do prefeito Eduardo Cury de não conceder as condições de regularização da área.
Não apenas da resistência dos moradores da ocupação conta o Pinheirinho, os estudantes da região se organizaram e fizeram na sexta-feira um ato no centro de São José dos Campos em solidariedade aos moradores da ocupação, “A luta de vocês inspira a nós jovens” diz a representante da Organização de Jovens Estudantes na assembléia ordinária do Pinheirinho. Também os professores da rede estadual de ensino manifestaram seu apoio “Exigimos que o problema do Pinheirinho seja resolvido considerando o direito de moradia da população pobre e que o Estado, em suas três esferas, cumpra com sua obrigação constitucional garantindo para todos a pose de terra, respeitando as moradias já construídas e organizando projetos sociais que atendam amplamente a todos os moradores do Pinheirinho”, afirma nota assinada pelas subsedes da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) de Taubaté, Sorocaba e Litoral Sul.
Em menos de uma semana o que ocorre no Pinheirinho ganhou repercussão nacional e internacional, sendo manchete inclusive do Le Monde na França, algo comemorado com entusiasmo durante as assembléias realizadas na ocupação, além da preparação que a comunidade vem tendo para poder resistir a qualquer tentativa de desocupação por parte da prefeitura, incluindo sua própria tropa de choque.
A mobilização na região tem unificado diversos sindicatos, movimentos populares e partidos políticos e durante todas as manifestações onde o movimento vem chamando a solidariedade de classe só vem crescendo, inclusive pela internet o VJ da MTV Emicida, em seu blog o MC paulistano divulgou apoio a luta que vem sendo travada no Vale do Paraíba “Senti orgulho de ver nossos irmãos no front e tristeza pela situação em si, que ainda muito se repetirá por nosso país. Meu desejo com este texto e com estas palavras, é enviar-lhes força, pois partilhamos do mesmo sonho, um Brasil sem desigualdade social, onde não exista tanta terra na mão de tão pouca gente, um país onde os mais pobres não tenham que pagar com o que não tem, pelas ideias bilionárias de quem pouco se importa com quantas vidas serão destruídas pela construção dos alicerces de seus edifícios. E ainda chamam isto de progresso! Na verdade até é: o termo progresso possui uma conotação ambígua, o que nos resta é lutar para que o termo possa ser empregado mais vezes com um sentido positivo.” Diz o texto recebido com entusiasmo pela população que hoje ocupa o Pinheirinho.
A situação que se encontra hoje o Pinheirinho revela o grave problema da moradia em São José dos Campos, pois o número de inscrito para obter uma moradia na cidade subiu de 14 mil pessoas em 1996 para 26 mil em 2011, demonstrando assim o descaso da prefeitura para solucionar o problema de habitação existente na cidade.
Os moradores do Pinheirinho seguem em sua luta, com assembléias emocionantes, com a vontade de continuar a lutar pela terra onde formaram sua história e suas famílias e mostrando não apenas para o Vale do Paraíba, mas para o mundo, que ali é uma comunidade com espaços de reecreação para as crianças, respeitando os credos das pessoas que ali vivem e tendo claramente quem é que é dono daquele espaço, pois o dono reconhecido pela justiça, Naji Nahas especulador proibido em entrar em mais de 40 países no planeta, hoje deve mais de R$ 10 milhões de IPTU para a prefeitura e há mais de 30 anos não fazia uso algum do terreno ocupado.
O algoz do Pinheirinho
A figura de Naji Nahas ficou conhecida pelo Brasil durante os anos 80 quando por conta da quebra monumental que provocou na bolsa de valores do Rio de Janeiro ocasionada pelas movimentações fraudulentas do empresário libanês. Em 2004 Nahas foi inocentado pela justiça, a qual disse que seu crime não havia sequer acontecido.
Durante a operação Satihagraha, em 2008, novamente o nome do empresário tomou as manchetes dos jornais brasileiros. Naji Nahas foi preso junto com Daniel Dantas – na época dono do banco Opportunity – e Celso Pitta , ex-prefeito de São Paulo, por novamente cometerem crimes financeiros no país, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Segundo a polícia federal na época, Dantas e Nahas eram as principais figuras de duas organizações criminosas diferentes que atuavam no mercado financeiro brasileiro de forma articulada.
O empresário libanês também é procurado pela Interpol e não pode entrar em quase 40 países do planeta.

Moradores de Pinheirinho resistem a reintegração de posse em SP

Claudio Vieira /O VALE / Rede Brasil Atual
Armados com capacetes, escudos e lanças improvisadas, moradores aguardam chegada da PM para remoção | Foto: Claudio Vieira /O VALE / Rede Brasil Atual
Da Redação
Moradores da comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, a 87 km de São Paulo, fizeram um protesto na manhã desta sexta-feira (13) contra a decisão judicial de reintegração de posse do terreno ocupado desde 2004. Eles montaram uma ‘tropa de choque’, e se armaram com capacetes, escudos e lanças improvisados aguardando a invasão da Polícia Militar (PM) para remoção das famílias. A ordem já foi comunicada à PM e a desocupação pode ser cumprida a qualquer momento.
De acordo com um cadastramento do município de agosto de 2010, cerca de 1,6 mil famílias moram no terreno. O acampamento foi erguido sobre uma área que pertence à massa falida da empresa Selecta, do grupo do empresário Naji Nahas. Ele é o autor da ação de reintegração de posse da área de 1,3 milhão de metros quadrados.
O coordenador geral da ocupação, Valdir Martins, o Marrom, revelou que está apreensivo com a possibilidade de invasão da área pela PM. Ele considera que pode ocorrer um “banho de sangue”.
Para tentar resolver o impasse, moradores do acampamento se reuniram na manhã desta sexta com representantes da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), de lideranças sindicais e membros de partidos para discutir sobre a ocupação do terreno.
Um ato de solidariedade aos moradores de Pinheirinho também foi realizado, de acordo com o PSTU, com participação de cerca de 500 moradores, 18 sindicatos, além de movimentos sociais, partidos políticos e entidades estudantis.
Segundo o partido, os sindicatos deverão fazer mais ações de apoio, e já foram confeccionados 20 mil adesivos e 50 mil panfletos em apoio à resistência do Pinheirinho.
Governo federal pleiteou suspensão da liminar por 120 dias
A Justiça de São José dos Campos ignorou o pedido do governo federal e descartou a concessão de prazo de 120 dias para solucionar o impasse do acampamento Pinheirinho. A suspensão havia sido pedida na semana passada por meio de ofício do Ministério das Cidades.
Em despacho, a juiza Márcia Loureiro argumentou que não havia nada a acrescentar ao que já havia sido decidido no processo. Segundo ela, o recurso apresentado pelos advogados do movimento sem-teto requerendo a suspensão da liminar ao TJ (Tribunal de Justiça de São Paulo) não tem fundamento. “O andamento do processo segue seu curso normal, com o cumprimento da reintegração liminar na posse. Não há fundamento jurídico para suspensão do feito por 120 dias”, afirma a juíza.
A intenção do governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Habitação, era oferecer recursos para a desapropriação da área do Pinheirinho, o que representaria o início para uma possível regularização. Entretanto, antecipou que isso dependeria de uma contrapartida financeira da Prefeitura.
“Nosso papel não é ficar na linha de frente do problema. Não teria sentido a União fazer a desapropriação da área e ficar com esse local na mão sem ter o que fazer”, afirmou Antonio César Ramos, gerente de projetos da Secretaria Nacional de Habitação.
O governo quer que o município assuma o compromisso de alterar o zoneamento do Pinheirinho, que atualmente é classificado como zona industrial, com seu uso proibido para fins habitacionais, e de elaborar um projeto urbanístico para a área.
Lideranças sem-teto lamentaram a decisão da Justiça e reafirmam que haverá resistência na ação de reintegração de posse. “É uma pena e absurda essa decisão da Justiça que só contribui para uma carnificina na cidade. 120 dias de trégua não iriam prejudicar o cumprimento da decisão”, disse o advogado dos sem-teto Antonio Donizete Ferreira, o Toninho.
Com informações da Rede Brasil Atual, Terra e O Vale